Post-213

Lista dos melhores livros de todos os tempos (www.thegreatestbooks.org)

108. O Mestre e Margarida (Мастер и Маргарита – Master i Margarita), Mikhail Bulgákov (1891-1940)

Conforme registramos no Post 94, quando foi apresentado o idioma ucraniano, Bulgákov, considerado como o maior escritor do país, escreveu todos os seus livros em russo. Àquela época a Ucrânia pertencia ao Império Russo e a língua ucraniana era marginalizada. No entanto, mesmo após a independência (1991), apenas 40% da população se comunica em ucraniano, ou seja, o russo, por razões históricas e familiares, ainda é o idioma principal da Ucrânia.

Bulgákov levou mais de 12 anos (1928-40) para escrever sua obra-prima, um dos mais relevantes exemplos do realismo fantástico na literatura europeia. O enredo, cuja descrição completa é uma tarefa árdua e desnecessária, aborda a visita do Diabo (de nome Woland) a Moscou no início da década de 1920. Ele chega acompanhado de diversos personagens, dentre eles um gato negro. Ali ocorrem várias aventuras, passeios pela cidade, que deixam rastros de destruição e loucura e outras cenas mirabolantes, desprovidas de um sentido imediato. Trata-se de claro exemplo do uso do nonsense na literatura. No pano de fundo a obra, com muitas referências ao “Fausto” de Goethe, retrata a eterna luta entre o bem e o mal.

Bulgákov, que havia, em um ataque de ira e desespero, queimado os manuscritos dos dois primeiros anos de redação do livro, parou de escrever o romance um mês antes de morrer. Foi sua esposa quem completou o trabalho nos anos de 1940 e 41. No entanto, sua publicação ainda tardou muito tempo. O ditador Stalin, que, na verdade, era um admirador de Bulgákov, considerou o livro como uma sátira à censura e repressão soviéticas, o que levou à proibição da divulgação da obra. Apenas em 1967, com Stalin já morto há 14 anos, foi autorizada a publicação de uma versão censurada. A primeira versão integral só veio a lume em 1973, editada na Rússia e na Alemanha. Finalmente, em 1989, surgiu uma nova versão oficial, complementada com base em outros manuscritos do autor. 

Este foi o único romance escrito por Bulgákov, que iniciou sua carreira literária com a redação de contos e peças teatrais. Médico de profissão, ele serviu no exército russo durante vários conflitos militares. Acometido por uma doença dos rins hereditária, ficou cego em 1939, quando então ditava para a esposa os capítulos finais de “O Mestre e Margarida”. Faleceu prematuramente aos 49 anos de idade.

A obra, que se tornou muito popular internacionalmente, teve várias adaptações teatrais e televisivas. Merece destaque a versão dirigida em 1971 pelo célebre cineasta polonês Andrzej Wajda (1926-2016).

Muitas traduções do livro para o português foram feitas por via indireta, ou seja, baseadas nas versões em inglês e francês. Atualmente (março/2024) estão disponíveis três traduções realizadas diretamente do original em russo: a de Konstantin Asryantz (Ars Poetica, 1992), a de Zoia Prestes, filha do político comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990) e que viveu em Moscou por 15 anos (Alfaguara, 2010) e a de Irineu Franco Perpétuo (Editora 34, 2017).

Língua jeju

Essa é a outra língua da família coreânica, além do próprio coreano, visto nos três Posts anteriores. A ilha de Jeju, de formato ovalado e origem vulcânica, localiza-se ao sul da península coreana, distante 80 km da costa. Trata-se da menor província da Coreia do Sul, abrigando cerca de 600.000 habitantes.

E aqui retomamos a velha e interminável discussão sobre línguas e dialetos. O idioma jeju, diferentemente dos outros dialetos do país, não é mutuamente inteligível com o coreano, portanto, a princípio, não poderia ser um dialeto ou uma variante da língua mãe. Essa é a opinião generalizada dos linguistas, embora o governo do país, juntamente com a mídia, classificasse o filhote jeju na discutível condição de dialeto. Até que, no início do atual milênio a UNESCO, órgão bastante respeitado internacionalmente, designou o jeju como “uma língua criticamente em perigo” (maior nível). Como consequência, em 2007 as autoridades coreanas lançaram um amplo programa de revitalização do idioma por meio de cursos gratuitos para a comunidade e uma adequada divulgação pela mídia (rádio, TV e revistas). Em 2011 foi criado um aplicativo para i-phone que funciona como um tradutor. A preocupação com a recuperação do idioma fundamentava-se também no baixo número de falantes, de 5 a 10 mil em uma ilha de 600.000 habitantes. Mais ainda, todos os usuários haviam nascido antes da década de 1960. Atualmente o ensino de coreano, língua oficial do país, é obrigatório em todas as escolas, contudo, e aí vem a grande novidade, elas têm de oferecer o ensino optativo de jeju. Assim flui o destino em terras civilizadas. Uma situação curiosa é a presença de um bolsão de falantes de jeju fora da Coreia, na região japonesa de Osaka que recebeu, muitas décadas atrás, uma onda de imigração originária da ilha de Jeju. Esta pequena comunidade mantém cuidadosamente a prática da língua.

Existem indícios de ocupação humana na ilha de Jeju desde o Neolítico (10.000-4.500 a.C.). Durante alguns séculos, a partir de 1300, houve uma dominação mongol, o que fez com que o jeju adquirisse diversos empréstimos dessa língua, fato que não ocorre com o coreano. Estima-se que as primeiras divergências entre coreano e jeju começaram a ocorrer a partir do século XV. Pode até parecer uma brincadeira de gosto duvidoso, mas na pequena ilha de Jeju (menos de 2.000 km2) existem quatro dialetos, o norte, o sul, o leste e o oeste. No presente momento, a situação é que as pessoas mais jovens entendem o jeju, embora não o falem com fluência. Na prática eles se expressam em uma mistura de coreano e jeju, algo que os cidadãos mais velhos não admitem.

E quais são as principais diferenças entre ambas as línguas? O jeju, que possui um maior número de vogais em relação ao coreano, apresenta também suas particularidades fonéticas. O vocabulário do jeju é formado por um elevado número de palavras arcaicas, derivadas do Coreano Médio, o que lhe confere uma certa roupagem literária. Todavia, malgrado as distinções de vocabulário existentes entre coreano e jeju, a maior parte das expressões do dia a dia é muito semelhante nos dois idiomas. O mesmo se aplica aos numerais. Não obstante as gramáticas dos dois idiomas serem bastante semelhantes, existem alguns detalhes que destoam dessa uniformidade. Um deles é o emprego do aspecto continuativo (para ações que estão ocorrendo) na língua jeju, o que não acontece no coreano. No jeju existem sufixos para o modo condicional, ausentes no coreano. Também a complexidade dos termos familiares no jeju é muito mais ampla do que no coreano. Por exemplo, a língua jeju possui nomes distintos para se designar o “irmão mais velho do avô”, o segundo irmão mais velho do avô, o terceiro, o quarto e por aí afora, até se chegar ao irmão mais novo do avô. Outra peculiaridade do jeju é o uso de “verbos adjetivados”, como ser pesado, estar perto, que são expressos como verbos únicos. Finalmente, há um aspecto de nível sociológico ou comportamental: a língua jeju é considerada pelos coreanos, em tom de desprezo, como campesina, falada por pessoas rudes, já que ela usa poucos honoríficos e possui apenas quatro níveis de formalidade, em comparação com os sete da língua coreana. Assim é o mundo.         

Escritores que faleceram jovens (5)

  • Étienne de la Boétie, 32 anos, filósofo francês (01/11/1530-18/08/1563), obra de destaque: Discurso da Servidão Voluntária, tuberculose.
  • François Villon, 32 anos, poeta francês (1431-1463), principal obra: O testamento, desaparecido após deixar a prisão.
  • Fagundes Varela, 33 anos, poeta romântico (São João Marcos-RJ, 17/08/1841 – Niterói, 18/02/1875), poema de maior destaque: Cântico do Calvário, morte por AVC.

De 36 a 40 anos:

  • Cruz e Sousa, 36 anos, poeta simbolista (Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, 24/11/1861 – Curral Novo, atual Antônio Carlos-MG, 19/03/1898), principal obra: Evocações, tuberculose.

Frase para sobremesa: As duas qualidades supremas de um livro são a realidade bem observada e a observação bem expressa (Eça de Queiroz, 1845-1900).

Até a próxima!

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *