Post-207

Lista dos melhores livros de todos os tempos (www.thegreatestbooks.org)

102. Esperando Godot (En attendant Godot), Samuel Beckett (1906-89)

Já apresentamos no Post-53 os principais traços biográficos do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1969. Beckett, cuja produção literária se concentrou principalmente em peças de teatro de grande sucesso, é um dos expoentes do denominado Teatro do Absurdo. O nome diz tudo. São tramas que carecem de um sentido objetivo, permeadas por situações que fogem a qualquer padrão lógico, redigidas em uma escrita minimalista e com fortes traços de loucura e pessimismo. Mesmo assim são obras que recebem um consistente apoio do público e da crítica. É este exatamente o caso de “Esperando Godot” (1952), sua produção literária mais conhecida e uma das peças mais encenadas no mundo. A trama, de tão simples, chega a ser mesmo absurda: dois personagens, compondo um cenário que praticamente não se altera (uma estrada rural e uma árvore) durante os dois atos da peça, informam um ao outro que estão esperando Godot. No segundo ato mais dois personagens entram em cena, todos os quatro esperando Godot, que não se sabe quem é e nem qual seria o motivo da longa espera. Ao final da peça um garoto anuncia que Godot não virá, talvez amanhã. O diálogo de encerramento é:

– Então, devemos partir?

– Sim, vamos.

Mas ninguém se move. Cai o pano. 

Beckett, que viveu muitos anos na França, falava e escrevia fluentemente o idioma. A peça, originalmente escrita em francês, foi traduzida para o inglês pelo próprio Beckett, que a publicou em 1955. Para quem não se recorda, ou não teve a oportunidade de ler o Post-53, lembremo-nos de que a entrevista concedida à mídia logo após o anúncio do Prêmio Nobel foi dada por sua esposa, pois Beckett era absolutamente avesso ao contato com a imprensa. Naquela ocasião a cônjuge comentou, em alto e bom tom que, dado o caráter recluso do marido, aquela premiação consistia em uma “verdadeira catástrofe”. Por motivos que nunca foram adequadamente esclarecidos, Beckett recusou vender os direitos de adaptação para o cinema (neste contexto, imagina-se que um eventual filme só poderia ser de curtíssima metragem). No entanto, o sucesso nos palcos foi, e continua sendo, enorme, inclusive no Brasil. O conhecido dramaturgo Flávio Rangel (1934-88) foi um dos primeiros tradutores brasileiros de “Esperando Godot (Editora Abril, 1967). Outra tradução de grande impacto foi a de Fábio de Souza Andrade, lançada pela Cosac Naify em 2006 e pela Companhia das Letras em 2017.  

Língua de Okinawa

A língua de Okinawa ou “oquinauano” é o principal idioma do ramo ryukyuano das línguas japônicas, conforme indicamos no Post-204. Essas são as línguas faladas no arquipélago de Ryukyu, situado na região sul do Japão. Acredita-se que a separação entre o japonês e as línguas ryukyanas tenha ocorrido gradualmente em um processo que se estendeu do século V ao século XII. Cabe destacar que as línguas ryukyanas por sua vez englobam diversos dialetos. Quando o Japão, derrotado na Segunda Guerra Mundial, retomou seu crescimento econômico, a partir da década de1950, o governo, uma monarquia parlamentarista, iniciou campanhas para eliminação dos chamados “dialetos regionais”, já que o país deveria ter “um só povo e uma só língua”. Durante algumas décadas a língua oquinauana, vista como o principal dialeto do país, deixou de ser ensinada nas escolas e proibida de ser falada pelas crianças. A restrição de comunicação entre as pessoas mais jovens é a melhor estratégia para se pavimentar o caminho de desaparecimento de uma língua. No entanto, a situação começou a ser revertida por pressão da comunidade internacional, sob a alegação de que um próspero país, no caminho de sua retomada econômica, não deveria dar mostras de tanta intransigência. De qualquer forma, o governo japonês ainda considera que a língua oquinauana seja uma variação do japonês, portanto um dialeto. A maioria dos linguistas discorda desse posicionamento.   

Na escrita da língua oquinauana, falada ou compreendida atualmente por cerca de um milhão de pessoas, era inicialmente usado o silabário hiragana. Contudo, no glorioso reinado de Shoo Shin, do início do século XVII ao final do século XIX os documentos oficiais ainda eram escritos no chinês clássico. Quando o arquipélago Ryukyu foi anexado ao Japão, em 1879, passou-se a utilizar predominantemente a escrita Kanji.

A região no entorno da ilha de Okinawa foi o palco, em 1945, da maior batalha marítimo-terrestre-aérea da história do planeta, entre EUA e Japão. Ocorreram 130.000 baixas entre os japoneses, incluindo uma grande parte de civis, e 72.000 entre os norte-americanos. A nota cruenta dessa batalha foi o assassinato de vários habitantes civis de Okinawa, falantes do oquinauano, pelos próprios soldados japoneses. Um grande julgamento do governo japonês sobre essa carnificina ocorreu décadas depois. De fato, uma mancha na história militar do país. Essa foi a última grande batalha do conflito, dado que o governo japonês assinou a rendição logo após o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima (6/8/45) e Nagasaki (9/8/45).

Destaque dever ser dado a parte da população de Okinawa que emigrou para o Brasil, onde eram livres para falar seu próprio idioma. A cidade de São Paulo abriga hoje um dos maiores centros mundiais para disseminação da língua oquinauana.

Algumas distinções entre o japonês e o oquinauano existem na fonética de muitas sílabas, na construção de palavras interrogativas (quem, quando, o que, quanto, como) e nas partículas de marcação de casos. Contudo, a diferença mais flagrante é a nomenclatura dos numerais de 1 a 10 e a palavra “obrigado”, tão usada nos cenários de cortesia do povo japonês, as quais são absolutamente distintas.

Numerais: tiichi, taachi, miichi, yuuchi, ichichi, muuchi, nanachi, yaachi, kukunuchi, tuu.   

Algumas expressões: 今日拝なびら (chuu wuganabira – Olá), 起きみそーちー (ukimisoochii – Bom dia), 今から行じ来ゅーん (namakara nji chuun – Até logo; existem pelo menos 15 expressões para se despedir, dependendo se a pessoa está partindo ou ficando; neste exemplo a tradução literal é “eu voltarei”, uma frase bastante assertiva), 分かやびらん (wakayabiran – Não entendo),
悪さいびーん (wassaibiin – Desculpe), 好ちゅさ一(shichusaa – Eu te amo), 御拝でーびーる (nifee deebiiru – Obrigado).

Prêmio Camões de Literatura: algumas estatísticas

As 36 edições (1989-2024) do Prêmio Camões apresentam a seguinte distribuição por país:  Portugal e Brasil: 15, Moçambique: 3, Cabo Verde: 2 e Angola: 1. Ainda não foram contemplados representantes de Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste.  

As informações que seguem têm como base o mês de julho/2024. Dentre os laureados, 15 estão vivos e 21 já faleceram. No conjunto dos vivos o mais velho é o brasileiro Dalton Trevisan (premiado em 2012) com 98 anos enquanto o mais jovem é o moçambicano Mia Couto (premiado em 2013) com 68 anos. Dez laureados já ultrapassaram a casa dos 80 anos, o que corresponde a 67% dessa população.

Dentre os falecidos, apenas dois morreram antes de completar 80 anos: o português Manuel Antônio Pina (laureado em 2011 e falecido aos 68 anos) e o brasileiro João Cabral de Melo Neto (vencedor em 1990 e falecido aos 79 anos). Do grupo daqueles escritores que já nos deixaram, 19 faleceram com mais de 80 anos (o que corresponde a 90%) e 7 ultrapassaram o arrojado marco de 90 anos (correspondente a elevadíssimos 33%). Apenas de forma global, sem a aplicação de nenhum teste estatístico, para não cansar os leitores, poderíamos afirmar que uma das receitas para se adquirir uma boa longevidade seria receber o cobiçado Prêmio Camões de Literatura. Exercícios, paz de espírito, boa qualidade de sono, alimentação nutritiva e, se possível, Camões, estes são os mais recentes avanços da Medicina.

Frase para sobremesa: Eu nunca entendi por que as pessoas consideram a juventude como um tempo de liberdade e prazer. Provavelmente porque elas esqueceram as suas próprias (Margaret Atwood, 1939-).

Até a próxima!

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