Post-203

Lista dos melhores livros de todos os tempos (www.thegreatestbooks.org)

98. Rebecca: a mulher inesquecível (Rebecca), Daphne du Maurier (1907-89)

A obra literária, lançada em 1938, encontrou calorosa recepção por parte de público e crítica. Em Portugal o livro foi traduzido como simplesmente “Rebeca”, sem complementos e com apenas um “c” no nome. Cada terra com seus costumes. O romance narra a história de uma mulher que se casa com um viúvo inglês bastante rico, indo residir na sua propriedade em Cornwall (Cornualha). Era a mesma mansão onde ele vivia com Rebecca, sua falecida esposa, ainda intensamente cultuada pelo marido, cercada de rituais e segredos, os quais conferem à trama características de suspense e de uma forte densidade psicológica.

Existem livros que dão um gigantesco salto para o sucesso quando são filmados com competência, como é o presente caso. O conhecido diretor britânico Alfred Hitchcock (1899-1980) realizou em 1940 uma admirada adaptação do romance, tendo como atores principais o também britânico Laurence Olivier (1907-89), aclamado como um dos maiores atores de todos os tempos, nascido e falecido nos mesmos anos de Daphne, e a atriz Joan Fontaine (1917-2013) no papel da esposa. É curioso observar que a personagem-título não aparece em nenhuma cena do filme, nem mesmo em flashbacks. Já que, na indústria cinematográfica, existe o pobre costume de se refilmar obras de sucesso – como se não houvesse uma infinidade de outros temas a serem abordados – existe uma segunda versão, de 2020, dirigida por Ben Wheatley (1972-) e com a presença de Armie Hammer (1986-) e Lily James (1989-).

A escritora britânica Daphne du Maurier teve uma carreira literária de grande sucesso, sendo que várias outras obras suas também foram levadas à tela. Ela escreveu cerca de vinte romances, o primeiro deles (The loving spirit) lançado em 1931, portanto, quando ela tinha 24 anos de idade. Um admirador gostou tanto desse livro, que buscou contato com a autora e, no ano seguinte, se casaram. Assim pode ser a vida. Daphne foi agraciada com diversos prêmios literários e tornou-se Dame (o equivalente feminino de Sir) do Império Britânico. Contudo, uma consistente acusação de plágio turvou sua vitoriosa carreira, exatamente em relação ao livro “Rebecca”. A escritora brasileira Carolina Nabuco (1890-1981) publicou em 1934, portanto quatro anos antes do lançamento de Rebecca, o romance “A sucessora”, que se transformou em uma conhecida novela da TV Globo em 1978. Quando o filme de Hitchcock foi lançado no Brasil, tornando assim o livro de Daphne bastante conhecido, surgiram diversos depoimentos onde era identificado um possível plágio da obra da escritora brasileira. Em geral, tenho cuidados em não me enveredar no tortuoso campo das alegações de plágio, sob pena de cometer alguma injustiça. Mas aqui as evidências eram muito fortes, não só na trama, que, por sinal, não possui nenhuma originalidade extrema, mas também em cenários e longos diálogos praticamente idênticos. O fato é que a própria Carolina havia traduzido seu livro para a língua inglesa e enviado para um editor londrino. Ficou comprovado que Daphne, amiga desse editor, teve acesso ao manuscrito. Logo após o lançamento do filme no Brasil, a produtora United Artists, por intermédio de seus advogados, apresentou a Carolina uma declaração em que ela afirmaria ter havido apenas “uma grande coincidência”. A assinatura do documento seria acompanhada de uma consistente compensação financeira. Carolina, contemplada com o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, filha do diplomata e político Joaquim Nabuco, embaixador do Brasil nos EUA, recusou a proposta e decidiu não entrar com um processo de plágio contra Daphne. Para alguma coisa a dignidade há de servir. 

A primeira versão brasileira de Rebecca foi lançada pela Abril Cultural em 1981, contando com a tradução de Lígia Junqueira Caiuby e Monteiro Lobato. Diversas outras edições ocorreram, dentre elas na Manole e na Amarylis. A mais recente, de 2023, é da Editora Darksyde, com tradução de Regiane Winarski.      

Língua lao (2)

O lao é um idioma tonal, como ocorre com a maioria das línguas do Sudeste Asiático. A quantidade de tons varia de cinco a seis, dependendo do dialeto regional. Para a língua escrita foi adotado o dialeto utilizado na capital Vientiane. O alfabeto, distinto daquele do tai, é derivado da antiga língua khmer, já apresentada neste Blog. Não existe espaço entre as palavras. Por que abrem mão dessa facilidade, que tanto ajuda os estudiosos da língua? Não há resposta ou, pelo menos, ela fica no ar. As vogais são registradas com elegantes sinais diacríticos acima, abaixo ou em volta das consoantes.

Trata-se de um idioma analítico (portanto, não aglutinante), com palavras quase todas monossilábicas, não declináveis. Como em outras línguas da região, a exemplo do mandarim, cantonês, birmanês e tai, são usados marcadores que acompanham os numerais, como na frase “duas fatias de bolo”. Só que isso ocorre com todas as palavras, obviamente mediante o uso de dezenas de marcadores distintos. A ordem das palavras na frase é S-V-O, como no nosso português.

Um destaque deve ser dado à complexa estrutura dos pronomes pessoais, os quais variam conforme o nível de polidez. Por exemplo, a forma básica (kuu – eu, mung – você) só deve ser usada entre crianças, ou jovens com a mesma idade (no máximo um ano de diferença), adultos de mesma idade e com relação próxima e de longo termo, relações desiguais e não-recíprocas (por exemplo entre um agente penitenciário e um prisioneiro), em linguagem agressiva, como durante uma briga, e para falar consigo mesmo. Se entendemos corretamente esse último item, significa que, mesmo no momento de nossos relaxantes monólogos mentais devemos estar atentos ao uso adequado do grau de polidez. Pois é, assim são os idiomas.    

E como é palavra “tio”? Escolha um dos nomes abaixo, pois todos estão certos, dependendo apenas daquela singela questão das idades: ລຸງ (lúŋ – irmão mais velho que o pai), ອາວ (Ɂàː – irmão mais novo que o pai), ມາຕຸລະ (máː tú lā – irmão mais velho que a mãe) ouນ້າ (nȃː – irmão mais novo que a mãe). Simples, não?

Dias da semana: Wan chan, Whan ang khaan, Wan phut, Wan pa hat, Wan suk, Wan sao, Wan ar thid.

Numerais (de 1 a 10): ໑ (neung), ໒ (sawng), ໓ (saam), ໔ (see), ໕ (haa), ໖ (hok), ໗ (jaet), ໘ (bpaet), ໙ (gow), ໑໐ (sip). Embora as designações sejam muito semelhantes àquelas da língua tai, a representação gráfica é distinta.

Algumas expressões: ສະບາຍດີ (sába̖ai-di̖i – Olá; semelhante ao tailandês), ລາກ່ອນ (la kon – Até logo; dito por quem parte), ໄປດີ (pai di – Até logo; dito por quem fica), ບໍ່ເຂົ້າໃຈ (baw khào ja̖i – Não entendo), ຂໍໂທດ (khãw thôht – Desculpe), ກະລຸນາ (kaluna – Por favor), ຂ້ອຍ​ຮັກ​ເຈົ້າ (kho huk jâo – Eu te amo), ຂອບໃຈ (khàwp ja̖i – Obrigado).

Vencedores do Prêmio Camões de Literatura (34)

2021: Paulina Chiziane (1955-)

A escritora Paulina Chiziane foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance. Nascida nos subúrbios de Maputo, a capital do país, ela teve como línguas maternas o chope e o ronga, pertencentes ao grupo dos idiomas banto. Chiziane só veio a aprender português quando frequentava a escola de uma missão católica. Iniciou estudos de Linguística na Universidade Eduardo Mondlane, a mais antiga e conceituada instituição de ensino superior no país. Contudo, não chegou a concluir o curso. Durante um período, Chiziane foi membro da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), mas deixou a organização devido a divergências políticas. Sua atividade literária, iniciada em 1984, foi dirigida à publicação de contos em jornais locais. O primeiro romance, “Balada de amor ao vento”, publicado em 1990, contém discussões sobre a prática da poligamia em Moçambique, tema esse abordado em vários outros livros de sua autoria. A obra mais conhecida de Chiziane é “O sétimo juramento”, publicado em 2000. Em 2016 ela anunciou que decidira abandonar a escrita. Não obstante, cinco anos depois foi contemplada com o Prêmio Camões, a maior distinção literária da língua portuguesa. Chiziane vive atualmente na província de Zambézia, na região central do país, cerca de 1.600 km ao norte de Maputo.    

Prêmio Nobel de Literatura 2024

A escritora sul-coreana Han Kang (1970-) foi a autora laureada com o Nobel de Literatura de 2024, com a jovem idade de 53 anos. Se ela vivesse no Brasil seria conhecida como Kang (prenome) Han (sobrenome). Filha de um romancista, graduou-se em Literatura pela Universidade Yonsei (em Seul). Sua carreira de escritora iniciou-se em 1993 com a publicação de poemas em revistas do país. No ano seguinte ela editou o primeiro romance (“A âncora escarlate”) e, em 1995, um livro de contos. A partir daí suas obras se concentraram na modalidade de romance. Seu livro mais conhecido é “A vegetariana” (Chaesikjuuija), publicado em 2007, cuja tradução em inglês lhe rendeu o prestigiado Man Booker Prize em 2016. No entanto, esta versão para a língua inglesa dividiu as opiniões de público e crítica, já que a tradutora lançou mão de grande número de floreios de linguagem inexistentes na obra original. O livro relara a história de uma artista gráfica que, após um pesadelo sobre a crueldade humana, decide se tornar vegetariana, com graves consequências para sua vida pessoal e familiar. Em 2021 Kang esteve na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). No Brasil “A vegetariana” foi publicada pela Editora Devir em 2013 e pela Editora Todavia em 2018, em duas traduções distintas diretamente do coreano. A obra “O livro branco” também foi editada pela Todavia em 2023.  

Para quem aprecia as estatísticas referentes ao Prêmio Nobel de Literatura, sugiro uma visita ao Post 110. Para atualização, basta inserir a Coreia do Sul com sua primeira laureada. De um total de 121 premiações, temos agora o registro de 18 mulheres (15%). Mas há uma lenta tendência de equilíbrio. Afinal de contas, nos últimos 10 anos, a metade dos premiados foi do sexo feminino. Novos tempos estão surgindo. 

Frase para sobremesa: Ama o impossível, porque é o único que não pode te decepcionar (Vergílio Ferreira, 1916-96).

Até a próxima!

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