Lista dos melhores livros de todos os tempos (www.thegreatestbooks.org)
86. O castelo (Das Schloss), Franz Kafka (1883-1924)
Este é o quarto livro de Kafka que aparece na lista. Tivemos O processo, número 33, (v. Post 139), Histórias Completas, número 61 (Post 166) e Metamorfose, número 62 (também Post 166). Portanto, o leitor desses Posts já tem uma boa informação, tanto da natureza dos livros escritos por Kafka, quanto sobre os principais de detalhes de sua vida.
O castelo foi redigido em 1922, mas é considerado como uma obra inacabada. A publicação, de forma póstuma só ocorreu em 1926. O enredo é simples, complexos são os personagens. O agrimensor K. (o mesmo nome de O processo) é contratado por um conde para fazer serviços de medição no castelo e na vila situada logo abaixo. A questão é que, por motivos incompreensíveis, ele não consegue adentrar o castelo. Temos aqui novamente à crítica à burocracia estatal e às relações de poder. Mal-entendidos, perguntas sem respostas, tudo se mescla na angustiante tentativa de K. em chegar ao castelo. Para alguns analistas da obra, o castelo representaria o inconsciente das pessoas, ao passo que a vila seria o consciente. O livro, narrado em terceira pessoa, na perspectiva de K., contém grande número de misteriosos personagens com estranhos comportamentos. Ao leitor é oferecido o cenário para que ele possa interpretar as peculiaridades do texto, com longos diálogos, em que apenas uma fala pode ocupar diversas páginas da obra. Para muitos críticos e leitores essa seria a obra-prima de Kafka. Na verdade, tal escolha carece de importância, posto que todos os seus livros, magistralmente escritos, têm o tempero do mistério e do absurdo.
Não confundam essa obra com outra homônima, escrita pelo autor russo Aleksei Tolstói (1883-1945), parente distante do grande Lev, pois aí a confusão seria dupla, adquirindo contornos kafkianos.
O único filme rodado com base em enredo tão hermético foi dirigido pelo alemão/austríaco Michael Haneke (1942), com o ator alemão Ulrich Mühe (1953-2007), que ficou conhecido pelo premiado filme A vida dos outros.
São muitas as versões brasileiras, normalmente feitas por tradutores bastante familiarizados com as obras de Kafka. Citemos algumas: Modesto Carone, 2008, Companhia das Letras, Jéssica F. Alonso, 2021, Editora Principis, Torrieri Guimarães, 2013 para a Martin Claret, D.P. Skrosky, 2003, pela Nova Cultural e até a versão em quadrinhos, adaptada por Jaromir 99, 2022, para a L&PM.
Língua vietnamita (2)
A letra “q” é sempre seguida de “u”, como no exemplo de quang (luz). Existe no idioma uma grande quantidade de ditongos e, também, de tritongos, o que não é usual na maioria das línguas. Relembremos: hiato (encontro de vogais, cada uma em sílaba diferente: na-vi-o); ditongo (encontro de vogal e semivogal, ambas na mesma sílaba: pa-pai; tritongo (encontro de semivogal, vogal e semivogal: sa-guão).
Se vocês estão sentindo que, afinal de contas, aprender vietnamita não seria tão difícil, vamos abordar a perturbadora questão dos tons. Sim, o idioma é tonal, como o são quase todos do Sudeste Asiático, à exceção do khmer, mostrado no Post anterior. Existem seis níveis de tom (no chinês são cinco): constante, suspenso (baixo em queda), afiado (crescente), alternado (sobe e desce), caindo (em queda)e pesado (em queda de curta duração). Nada melhor que um exemplo para nos deixar mais apavorados. Vamos à inocente partícula ma, que pode ser escrita em seis tons distintos, com significados absolutamente díspares: espírito, mas, sepultura, código, mãe e sementes de arroz. Lembremos que as vogais em vietnamita podem possuir dois acentos, um usado como diacrítico e o outro para marcação da tonalidade.
Uma questão complexa é a relação de pronomes pessoais, os quais dependem do grau de formalidade, do gênero da pessoa, dos títulos honoríficos, da idade e de diversos outros fatores. Por exemplo, o pronome pessoal “eu” pode ser apresentado em, pelo menos, quatro formas, dependendo das influências acima mencionadas. É comum que, na segunda pessoa, se lance mão de substantivos não pronominais. Assim, não é raro que namorados se tratem de forma afetuosa por “irmão mais velho” ou “irmãzinha”. As relações de parentesco são uma outra dor de cabeça para quem estuda a língua vietnamita. Vamos a um exemplo: dois primos, cujas mães sejam irmãs, chamam-se mutuamente como se fossem irmãos. No entanto, aquele cuja mãe for mais jovem será considerado com um grau de tratamento inferior do que aquele cuja mãe é mais velha, independentemente de suas próprias idades. Vale dizer que uma pessoa deverá se dirigir mais respeitosamente a um primo que tem a mãe mais velha, mesmo se ele for mais novo do que o outro. Nessas formalidades de tratamento familiar, o que realmente importa não é a idade dos interlocutores, mas a de suas respectivas mães. Isso não é absurdamente sensacional?
Vencedores do Prêmio Camões de Literatura (22)
2009: Armênio Vieira (1941-)
Foi o primeiro escritor cabo-verdiano a ganhar o Prêmio Camões. Para quem tem memória curta (aprendeu na escola, mas esqueceu) o arquipélago de Cabo Verde localiza-se a oeste da costa africana do Senegal. Os geógrafos antigos designavam o conjunto das grandes ilhas no Atlântico (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde) como Macaronésia, ou seja, “ilhas felizes” (que belo nome!) conforme a etimologia grega de μακάρων (macaron – feliz). Não tem nada a ver com o alimento.
Armênio iniciou sua breve carreira literária escrevendo poemas, passou para os romances e retornou à poesia. Sua principal atividade profissional foi de jornalista, tendo sido redator do conhecido periódico Voz di Povo (na grafia do idioma crioulo cabo-verdiano). Seu primeiro livro, lançado em 1981, teve o singelo título de Poemas. A primeira publicação de Armênio no Brasil só surgiu em 2021: Safras de um triste outono, editado pela Casa Brasileira de Livros e que chegou a ser semifinalista do conceituado prêmio literário Oceanos em 2022. Armênio pertence à conhecida “geração de 60”, marcada pela revolta e combate ao governo colonial português. Ele esteve preso por algum tempo, mas continuou se dedicando ao projeto de independência do país, a qual ocorreu em 1975.
Frase para sobremesa: O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente. E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver (Mário Quintana, 1906-94).
Bom descanso!