Post-118

Lista dos melhores livros de todos os tempos (www.thegreatestbooks.org)

10. Madame Bovary, Gustave Flaubert (1821-80)

Considerado por muitos críticos como sendo o primeiro romance realista da literatura, Madame Bovary (1857)fez com que o autor fosse levado a julgamento por ofensas à moral e à religião, obviamente à luz da época. Hoje em dia a obra poderia ser transformada em história em quadrinhos para alfabetização da garotada. Outros grandes escritores franceses, dentre eles Balzac, já haviam escrito livros sob o delicado tema do adultério, sem levantar tanta indignação. O romance relata a vida de Emma, uma jovem sonhadora, educada em convento e que, com a cabeça cheia de fantasias, casa-se com Charles Bovary, um simples médico do interior. A vida rotineira, sem encantos, leva Emma a buscar no adultério uma forma de encontrar a felicidade. Seria impertinente se eu começasse aqui a divulgar o final de cada livro, portanto esta breve introdução já está adequada ao nosso objetivo.

A história foi publicada inicialmente na Revue de Paris, em episódios. Em decorrência dessa publicação, Flaubert foi julgado por um tribunal em Paris sob a acusação de atentado aos bons costumes, o que, na verdade, conferiu enorme impulso à venda do livro. Para quem gosta de frases célebres não podemos deixar de citar a resposta de Flaubert quando um dos advogados lhe perguntou “afinal de contas, quem é essa tal de Emma Bovary”: Madame Bovary c’est moi! (Madame Bovary sou eu!). Cabe mencionar que Flaubert foi inocentado no processo. A repercussão do romance levou à criação do termo “bovarismo”, como uma tendência de fugir à realidade. Flaubert parecia ser instável perante relacionamentos amorosos, buscando mulheres bem mais velhas ou se encantando com amantes de curto termo. De saúde frágil, ele iniciou a Faculdade de Direito em Paris, mas a abandonou, provavelmente em decorrência de suas crises epiléticas. Morreu pobre, vitimado por um AVC. Existem notícias de que escritores contemporâneos, alguns descendentes da família Flaubert ou dos amigos de Gustave, levaram à frente a ideia de publicar “continuações” do romance, como se ele fora uma novela ou um filme de Hollywood. Já pensaram se essa moda pegar na literatura?    

11. A Divina Comédia (La Divina Commedia),Dante Alighieri (1265-1321)

Um dos grandes poemas da literatura universal, cultuado como a genial manifestação de um escritor maiúsculo, cuja vida, no entanto, ainda é pouco conhecida. Sabe-se que ele nasceu em Florença, tendo sido batizado como Durante, mais tarde transformado no diminuitivo carinhoso de Dante. Casou-se aos 12 anos de idade, conforme o costume da época. Descendente de uma família de políticos, passou por diversos combates militares. Lembremo-nos de que não existia o país Itália, apenas províncias autônomas e muito beligerantes. Foi condenado à morte, tendo, posteriormente, a pena comutada para prisão. Uma parte amarga de sua vida foi o longo exílio a que foi submetido, longe da sua querida Florença. Morreu em Ravena, como consequência de malária. Ali estão seus restos mortais, ao passo que em Florença há apenas um cenotáfio (túmulo honorário, sem o corpo).

A Divina Comédia, antes designada apenas como “Comédia”, mas tendo o título ampliado pelo poeta Giovanni Boccaccio (1313-75), é uma das obras que mais influenciaram a literatura ocidental. O poema é dividido em três partes: Inferno, Purgatório, Paraíso. Ele narra a visita do próprio autor à sucessão de círculos concêntricos que envolvem a Terra. Nessa viagem ele é guiado pelo poeta latino Virgílio, por Beatriz e por São Bernardo. Ao contrário da tradição da época, a obra não foi escrita em latim, mas no italiano vulgar baseado no dialeto toscano. Foi esse livro o responsável pela formação da língua italiana moderna, a língua de Dante. O poema é construído na forma de tercetos (estrofe de três versos), conforme as rimas A-B-A, B-C-B, C-D-C e assim por diante, ou seja, a palavra final da primeira linha (A) rima com aquela da terceira linha (A) e a última palavra da segunda linha (B) vai rimar com as últimas palavras da primeira e terceira linhas da segunda estrofe. Simples, não? Já mencionamos em algum Post passado as dificuldades que os tradutores encontram para a versão de poemas. Ou eles tentam a tradução literal ou então buscam produzir rimas aproximadamente análogas às do texto original. E é aí onde mora o perigo, pois, mesmo em idiomas semelhantes, os termos traduzidos frequentemente não se equiparam às palavras originais no aspecto de rima. “A divina comédia” tem versões brasileiras tanto em verso quanto em prosa. Neste último caso não há dúvidas de que a fidelidade ao texto original é muito maior. Confesso que, para mim, esta é a modalidade preferida.      

A língua turcomena

O idioma turcomeno (türkmendili), pertencente ao grupo das línguas túrquicas, é falado por cerca de cinco milhões de pessoas no Turcomenistão, onde é a língua oficial, e por mais dois milhões em nações vizinhas, como Irã, Afeganistão e Turquia. Seu alfabeto segue a mesma sequência evolutiva comentada para os outros idiomas túrquicos: até 1929 era usado o alfabeto árabe, substituído pelo latino no período 1929-38 e, em seguida, pelo cirílico. A partir de 1991, quando ocorreu a independência do país, se iniciou a lenta transição ao retorno do alfabeto latino modificado. Atualmente (2023), as duas escritas ainda convivem, mas já se observa o predomínio da versão latina na mídia e em documentos oficiais.

Nenhum comentário sobre a língua turcomena poderia sair ileso à apresentação do político Saparmyrat Niyazov (1940-2006), uma das mais excêntricas personalidades do planeta em todos os tempos, presidente do país desde a independência até sua morte, ou seja, governante vitalício. Destaca-se o dispêndio de enormes recursos financeiros para a construção de lagos e florestas artificiais no país desértico, palácios de gelo, estações de esqui e uma gigantesca estátua de ouro maciço – representando ele próprio – instalada na praça principal da capital Ashgabat. Esse monumento, dotado de um mecanismo eletromecânico de giro, acompanhando a trajetória do sol – à guisa de um girassol – foi transferido para a periferia da cidade após a morte do homenageado. Uma das mais ousadas intervenções de Niyazov foi a mudança, por decreto presidencial de 2002, dos nomes dos dias da semana e dos meses do ano. Assim, “janeiro” passou a ser Turkmenbashi (“pai dos turcomenos”, como ele próprio se denominava), “abril” virou Gurbansoltan (que era o nome da sua mãe) e por aí afora, pois não vamos perder preciosas linhas do texto elencando uma sequência de devaneios. Tal decreto foi revogado dois anos após a morte do presidente. De qualquer forma foram seis anos em que os atônitos habitantes, alunos de escolas, toda a mídia, tiveram de conviver com rasgos autoritários de insanidade. Niyazov escreveu o livro Ruhnama (“livro da alma”) de leitura obrigatória nas escolas e presença, também obrigatória, nos lares do país. A cereja do bolo foi a declaração de Niyazov, pouco antes de sua morte, de que ele havia intercedido junto a Deus para assegurar que qualquer aluno que lesse o livro por três vezes completas iria automaticamente para o Paraiso. Que líder de grande alma!

A língua turcomena se assemelha em todos os aspectos aos idiomas azeri (Post 109) e turco (Post 114). Trata-se de uma língua aglutinante, com seis casos gramaticais, sem determinação de gênero e com a ordem gramatical SVO (Sujeito-Verbo-Objeto). Vejam este exemplo de aglutinação: obalardan (“vindo das aldeias”), composto por oba (aldeia), lar (sufixo para o plural) e dan (marcação do caso ablativo, que indica afastamento). Uma única palavra para representar o que os idiomas ocidentais fazem com três ou quatro termos. A fonética lança mão de vogais curtas e longas para diferenciar termos homógrafos. Assim ot (com “o” curto) significa “planta”, ao passo que ot (“o” longo) é fogo. Vamos relembrar os principais diacríticos das línguas túrquicas: ž (som de “j”), ş (sh), ç (tch), ý (i) e ň (ng). Dias da semana (na sua versão normal): duşenbe, sişenbe, çarşenbe, penşenbe, anna, şenbe, ýekşenbe. Pronomes pessoais: men, sen, ol, biz, siz, olar. Numerais de 1 a 10: bir, iki, üç, dört, bäş, alty, ýedi, sekiz, dokuz, on. Algumas expressões: Salam (olá), Sag boluň (até logo), Ertiriňiz haýyr (bom dia), Düşümedim (não entendo), Men seni söýýärin (eu te amo), Baş (por favor), Bagyşlaň (desculpe), Sagbol (obrigado).   

Palavras originárias de nomes de pessoas (5)

Larápio: etimologia incerta; uma das possibilidades é que o nome seria derivado do pretor romano Lucius Antonius Rufus Appius, abreviadamente L.A.R. Appius, o qual tinha a fama de passar sentenças favoráveis a quem lhe desse dinheiro; alguns linguistas reprovam essa etimologia um pouco fantasiosa.

Linchar: executar alguém sem julgamento (de William Lynch, 1740-1820, fazendeiro no estado norte-americano de Virginia, o qual instituiu um tribunal privado para julgamento de criminosos).

Macadame: processo de revestimento de estradas com uma mistura de pedras britadas, breu e areia (de John Mac Adam, 1758-1836, engenheiro inglês criador dessa técnica).

Mansarda: janela disposta sobre o telhado de um edifício (do arquiteto francês François Mansart, 1598-1686).

Maquiavélico: que se caracteriza pela astúcia e falsidade (do escritor e estadista italiano Niccolò Macchiavelli, 1469-1527).

Masoquismo: perversão caracterizada pelo prazer sexual mediante o próprio sofrimento (do escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch, 1836-95).

Mauser: tipo de fuzil, do seu criador, o armeiro alemão Paul Mauser (1838-1914)

Mausoléu: monumento funerário (do túmulo de Mausolo, aproximadamente 350 a.C., rei da Cária, antiga cidade na Ásia Menor).

Frase para sobremesa: Os dias bons podem durar sempre se a gente se cuida de si mesmo e do que tem, isso sabem todas as pessoas razoáveis e por isso, eu creio, se conformam com os dias bons, porque os dias deliciosos se pagam muito caros (Sigrid Undset, 1882-1949).

Até a próxima!

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