Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
2021: Abdulrazak Gurnah (1948-): o escritor tanzaniano foi o quinto africano a receber o Nobel de Literatura. Gurnah nasceu no Sultanato de Zanzibar, à época ainda um protetorado britânico. Historicamente, a ilha de Zanzibar recebeu as primeiras povoações muçulmanas da África Oriental. Quando, em 1698, o sultanato de Omã conquistou a ilha, ela se tornou um dos mais ricos e movimentados entrepostos comerciais do mundo, principalmente em relação ao tráfico de escravos e à venda de marfim. Ao término da ocupação inglesa, ocorrido em 1963, Zanzibar tornou-se uma monarquia, que teve vida muito curta, devido à eclosão da Revolução de Zanzibar, na qual os árabes, ricos e dominadores, foram massacrados pelas multidões de negros africanos. Em 1964 Zanzibar e Tanganica se uniram para formar o estado independente da Tanzânia. No entanto, Zanzibar ainda mantém sua condição de região semiautônoma, inclusive elegendo seu próprio presidente.
Estes conflitos entre árabes e africanos constituem o pano de fundo de todos os dez romances escritos por Gurnah. Ele próprio, de ascendência árabe (o pai era iemenita) teve que fugir de Zanzibar e se esconder no continente, até que, em 1968, surgisse a oportunidade de emigrar para a Inglaterra, aonde chegou na condição de refugiado de guerra. As angústias, alienações e o forte sentimento de solidão são a marca constante na produção literária de Gurnah. Após cumprir a graduação em Literatura na Universidade de Canterbury, ele fez mestrado e doutorado na Universidade de Kent. Em seguida, retornou à África, onde lecionou por três anos na Universidade Bayero, na Nigéria. Em 1984 mudou-se em definitivo para a Inglaterra, já contratado como professor de Inglês e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent, onde permaneceu até sua aposentadoria e ainda continua atuando na qualidade de Professor Emérito.
A escolha de Gurnah para recebimento do Nobel de Literatura se constituiu em mais uma das grandes surpresas que a Academia Sueca ocasionalmente prepara ao público. Ele era um escritor praticamente desconhecido fora da Inglaterra, com pouquíssimas traduções para outros idiomas. A Wikipedia no Brasil sequer o referenciava. Além disso, suas premiações literárias talvez sejam as mais limitadas dentre os currículos dos ganhadores contemporâneos. Em uma entrevista, Gurnah conta que, ao receber a ligação de Estocolmo, mensageira da boa notícia, ele acreditou se tratar de uma dessas estratégias modernas de telemarketing. De forma rude, pediu ao interlocutor que não lhe perturbasse e desligou abruptamente o telefone. O mais interessante é imaginarmos o rosto do prestimoso acadêmico envolto em um manto de perplexidade.
O primeiro livro de Gurnah foi Memory of departure, publicado em 1987, o qual tem um forte componente autobiográfico. Antes da premiação do Nobel, Gurnah era certamente desconhecido da quase totalidade dos leitores brasileiros. Atualmente (2023), apenas três de suas obras foram editadas no país: “Paraíso” (Paradise, 1994), que relata a história de um menino vendido por seu pai; “À beira-mar” (By the sea, 2001), no qual é abordada a vida de dois imigrantes que dividem um passado turbulento; “Sobrevidas” (Afterlives, 2020), cujo enredo se passa na época do colonialismo alemão na região de Tanganica, durante a primeira metade do século XX. Gurnah recebe algumas críticas por não escrever em sua língua materna, que é o suaíli, só se expressando no idioma dos colonizadores. Ademais, ele não aceita que os inúmeros termos locais que pontilham suas obras, sejam em suaíli ou em outras línguas, fiquem reunidos em um glossário no fim do livro. Segundo ele, tal procedimento tornaria os povos africanos ainda mais exóticos aos olhos dos leitores ocidentais. No final das contas, todo mundo tem razão.
A língua maltesa
A língua maltesa (lingwa maltija) é o único idioma do grupo semítico (hebraico, árabe e outros) que é escrito no alfabeto latino. A movimentada história da pequena ilha de Malta, estrategicamente localizada ao sul da Sicília, exerceu diversas influências na conformação da língua maltesa. Avalia-se que o grupo de ilhas esteja habitado desde aproximadamente 5.200 a.C, com achados arqueológicos que remontam a 3.800 a.C. Na sequência histórica, Malta foi ocupada pelos fenícios, gregos, romanos, bizantinos, árabes, mouros, normandos, aragoneses, espanhóis da dinastia dos Habsburgos, Cavaleiros de São João, franceses e britânicos. Tornou-se independente do Reino Unido em 1964, se transformando em uma república em 1974. O idioma maltês é derivado do sículo-árabe, que era o dialeto falado na Sicília até o século XI. A conquista normanda em 1090 isolou a língua do contato com o árabe, criando-se um idioma à parte, cujas primeiras referências escritas provêm do século XV. Durante algum tempo ele foi considerado como um dialeto do italiano. Na verdade, o maltês é uma das línguas mais curiosas da Europa, pois quando a escutamos podemos perceber a sonoridade do italiano e, ao mesmo tempo, os fonemas guturais do árabe, o que lhe confere a alcunha de “o árabe-europeu”. Com o maltês acontece o mesmo fenômeno observado em algumas línguas do grupo germânico, como o inglês e o alemão, em que as palavras mais complexas, os termos científicos, filosóficos e os neologismos são derivados do italiano, no primeiro caso, e do latim, no segundo. Estima-se que metade do léxico do maltês seja proveniente do italiano e siciliano e 20% do inglês.
Mata, com a superfície total de apenas 316 km2, apresenta a maior densidade demográfica do continente europeu. Os idiomas oficiais são o maltês e o inglês. O número de falantes do maltês é de cerca de 530.000, sendo 450.000 que vivem na própria ilha e o restante em diversos países que receberam imigrantes. Cabe aqui uma breve explanação sobre os Cavaleiros de São João, também conhecidos como a Ordem de Malta. Trata-se de uma organização internacional católica que foi fundada no século XI, na Palestina, com o objetivo de dar assistência aos cruzados. Depois de ter sua sede, sucessivamente, na Terra Santa, em Chipre e na Grécia, ela se estabeleceu em Malta em 1530. A partir de 1834, quando os cavaleiros foram expulsos da ilha pelos britânicos, a sede se mudou para Roma, onde continua até hoje. O que poucos sabem é que a Ordem de Malta, além de possuir seu hino oficial, tem o tratamento diplomático equivalente a um Estado sem território. Atualmente ela possui representação na ONU como organização observadora, mantendo relações diplomáticas com 107 países – dentre eles o Brasil – em alguns deles com embaixadas próprias.
A língua maltesa utiliza o alfabeto latino com diversos diacríticos para representação dos fonemas mais particulares: ć (som de “tch”), ġ (“dj”), ż (“z”), enquanto z tem o som de “ts”. A fonética da letra “q” é complexa, lembra quase que, digamos assim, o início de um processo de vômito. Os árabes e persas sabem do que estou falando. Um diacrítico mais exótico é o ħ, como se fosse um “h” cortado e que soa, dependendo da posição, aproximadamente como o “h” do inglês. Outra curiosidade do maltês é a presença do plural comum, do dual (quando se trata de dois objetos) e – aí vem a novidade – do paucal, que se aplica a pequenas quantidades. É a única língua que apresenta essas variações.
Os pronomes pessoais são: jien, int/inti, hu/hi, aħna, intom, huma. Números de 1 a 10: wieħed, tkejn, tlieta, erbgħa, ħamsa, sitta, sebgħa, tmienja, dishgħa, ħaxra. Dias da semana: Lt-tnejn, Lt-tlieta, L-erbgħa, Il-ħamis, Il-ġimgħa, Is-sibt, Il-ħadb. Algumas expressões: ħello (olá), saħħa ou ćau (até logo), bonġu (bom dia), grazzi (obrigado), m’inix nifhem (não entendo), skużi (desculpe), jenk jogħġbok (por favor), inħobbok (eu te amo).
Unidades científicas derivadas de nomes de pessoas (1)
A etimologia de nomes próprios está bastante difundida na designação de unidades de medida. Assim, por exemplo, o conhecido grau Celsius, que é a unidade oficial de temperatura segundo o Sistema Internacional de Unidades (SI), homenageia o cientista e astrônomo sueco Anders Celsius (1701-1744). Nos estudos de ciências puras, como física e química, é comum a unidade que leva o nome do matemático inglês Lord Kelvin (1824-1907). Alguns países de língua inglesa insistem em continuar utilizando a inadequada expressão graus Fahrenheit, não pertencente ao SI. Disto não tem culpa o destacado cientista alemão Gabriel Fahrenheit (1686-1736). Os mesmos países que optaram pela adoção desta medida de temperatura apresentam curiosa preferência por outras esdrúxulas unidades de medição tais como jardas, milhas, polegadas, galões, onças e demais anomalias, indicando claramente que desenvolvimento e bom senso nem sempre caminham juntos.
Frase para sobremesa: Relembremos Selma Lagerlöf (1858-1940): 1) A cultura é tudo o que resta depois de se ter esquecido tudo o que se aprendeu. 2) A alegria é a dor que se dissimula – à face da Terra só existe dor.
Bom descanso!