Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
1999: Günther Grass (1927-2015): o escritor alemão nasceu na cidade livre de Danzig, atualmente Gdansk e pertencente à Polônia. Conforme o Tratado de Versailles, celebrado em 1919, após o término da Primeira Guerra Mundial, Danzig se separaria da Alemanha, sob a proteção da Liga das Nações, organização formada pelos vencedores no conflito, e que existiu entre 1919 e 1946, sendo então sucedida pela ONU (Organização das Nações Unidas). Este contexto histórico é relevante para o conteúdo dos livros de Grass, principalmente aqueles de cunho autobiográfico. Ele, além de escritor, na corrente do Teatro do Absurdo, era também renomado escultor, tendo estudado na Academia de Artes de Düsseldorf e presidido a célebre Academia de Artes de Berlim (1983-6).
Grass foi convocado para a guerra aos 17 anos de idade, compondo as forças armadas da Alemanha nazista. Mais de 60 anos depois, ele declarou, em uma entrevista, ter sido membro da famigerada Waffen-SS, que era o braço militar da temida SS (Schutzstaffel), uma organização paramilitar do Partido Nazista. Tal informação caiu como um terremoto sobre a reputação do famoso escritor, já laureado com o Nobel. Poucos colegas o apoiaram e muitos o criticaram fortemente por essa tardia confissão de culpa. O escritor José Saramago afirmou que “nunca separei o escritor da pessoa que ele é; a responsabilidade de um é a responsabilidade do outro.” O assunto, por ser muito polêmico, extrapola os objetivos deste Post. Ferido na guerra em 1945, ele, em seguida, ficou preso pelos Aliados por um ano. Em 1956 mudou-se para Paris, continuando a exercer as atividades de escritor e escultor. Foi lá onde ele escreveu seu livro de estreia, considerado como a obra mais relevante, o romance “O tambor” (em Portugal com a tradução mais exata de “O tambor de aço”) (Die Blechtrommel, 1959), um dos exemplos mais clássicos do Realismo Mágico europeu. A obra, com fortes traços autobiográficos, gira em torno da vida de Oskar, o garoto que não queria crescer. O livro foi adaptado para o cinema em 1979, com direção de Volker Schlöndorff (1939-), tendo a película recebido a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro. Não é pouca coisa. A chamada trilogia de Danzig continuou com os romances “O gato e o rato” (Katz und Maus, 1961) e “O cão de Hitler” (Hundejahre, 1963). Além do Nobel de Literatura, Grass recebeu em 1965 o Prêmio Georg Büchner, considerado como o mais importante da língua alemã.
Grass sempre teve uma participação ativa na vida pública, defendendo, em geral, os ideais de esquerda. Ao longo da vida ele contestou os princípios nazistas que o haviam atraído durante a juventude, isto naturalmente antes de sua declaração de 2006 referente à participação na polícia do SS. Quando da reunificação das duas Alemanhas, Grass se manifestou de forma contrária ao processo, alegando que esse perigoso passo significaria um retrocesso ao estado beligerante. Em 2012 publicou um poema criticando o programa nuclear de Israel, o que o levou a ser considerado por esse país como persona non grata, o qual tem um forte significado na diplomacia. Ele casou-se três vezes e teve seis filhos no total. Morreu de infecção pulmonar, certamente iniciada ou agravada pelo seu obstinado costume de fumar cachimbo.
A língua feroesa (2)
Embora a forma escrita do feroês seja bastante semelhante à do dinamarquês, possibilitando uma compreensão quase total pelos mecanismos de leitura, a forma falada não é mutuamente inteligível, dadas as marcantes diferenças na fonética. Portanto, se dois ou mais interlocutores dinamarqueses e feroeses estiverem com bloquinhos de notas, eles poderão conversar mediante anotações gráficas (imaginem essa cena em uma mesa de bar). Na verdade, é isso que ocorre também na comunicação entre chineses e japoneses. A complexa fonologia do idioma feroês, que pode ser distinta em cada uma das 17 ilhas habitadas, permite que a pessoa pronuncie as palavras da forma como quiser, desde que se faça entendido. É mais ou menos a mesma forma de comportamento dos noruegueses: “você pode falar da maneira que desejar, desde que eu entenda. E ninguém vai te criticar por isso”. Não deixa de ser curiosa a influência da língua celta irlandesa (v. Post 48) no vocabulário do feroês e, principalmente na sua pronúncia melódica. Se uma pessoa que não conhece essas línguas estiver ouvindo, em um restaurante barulhento, um grupo falando feroês e outro o irlandês, seus ouvidos vão crer se tratar do mesmo idioma.
Se vocês conseguiram sobreviver à leitura de um Post anterior (81) sobre o idioma islandês, ainda um pouco traumatizados pela abusada fonética (lembram-se das duas letrinhas intrusas ð e Þ, o eth e o thorn?), podem respirar com um certo alívio, pois o thorn, que antes existia no feroês, já desapareceu, ao passo que o eth, embora ainda vivo, é pronunciado de formas diferentes (sim, no plural mesmo; é como dizíamos, a fonética depende da região). São três os gêneros (masculino, feminino e neutro) e quatro os casos (nominativo, acusativo, dativo, genitivo), exatamente como no islandês.
Os pronomes pessoais são: eg, tú, hana/hak/tað, vit, tit, teir/tær/tey. Números de 1 a 10: ein, tvær, tríggir, fýra, fimm, seks, sjey, átta, níggju, tíggju. Dias da semana: Mánadagur, Týsdagur, Mikudagur, Hósdagur, Fríggjadagur, Leygardagur, Sunnudagur. Algumas expressões: Góðan morgun (bom dia), Farvæl (até logo), Vinarliga (por favor), Orsaka meg (desculpe), Takk (obrigado), Eg skiljí ikki (não entendo), Eg elski teg (eu te amo).
Com este Post encerramos a apresentação das línguas germânicas. Na sequência abordaremos os idiomas do grupo fino-úgrico (finlandês, estoniano, húngaro).
Você sabe o que é xibolete?
Esta curiosa palavra (em inglês shibboleth) significa alguma peculiaridade de pronúncia que pode servir como uma senha. Ela é derivada do hebraico shiboteh, que significa espiga. Na guerra entre soldados gileadistas e efraimitas, travadas na Antiguidade às margens do Rio Jordão, os gileaditas solicitavam, melhor dizendo, ordenavam que os efraimitas (não se assustem são ambos nomes de tribos antigas do Oriente Médio) pronunciassem a referida palavra-passe (shiboteh). Como esses últimos não tinham o som “sh” no seu idioma, eles não conseguiam realizar a proeza, sendo assim desmascarados como soldados inimigos. Existe uma profusão de relatos históricos referentes ao uso de xiboletes. Durante a revolta das “Vésperas Sicilianas”, em 1282, quando a população da Sicília entrou em choque contra os governantes franceses da ilha, o xibolete utilizado foi ciciri, designação de uma torta de ervilhas local. Os pobres soldados franceses, muitas vezes trajados como sicilianos, não logravam a pronúncia correta, sendo imediatamente conduzidos às prisões. O emprego de xiboletes foi também reportado na República Dominicana para identificar os indesejados imigrantes haitianos. Nesse caso a palavra era perejil (salsinha). Diversos relatos são da época da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha havia invadido a Holanda. Naquela ocasião o xibolete era qualquer nome de cidade iniciado com Sch, que os holandeses pronunciam como “skh” e os alemães como “sch”. Um bom exemplo é o nome do conhecido aeroporto de Amsterdam, Schiphol, que os holandeses dizem “skhiphol” e os alemães “Schiphol”. Obviamente, em um nível mais elevado de espionagem, os selecionados não só dominavam a língua do inimigo, como também a pronunciavam sem sotaque. Mas isso já é uma outra história.
Frase para sobremesa: Há livros para serem provados, outros para serem engolidos e uns poucos para serem mastigados e digeridos (Francis Bacon, 1561-1626)
Bom descanso!