Post-74

Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.

1989: Camilo José Cela (1916-2002): nascido na região espanhola da Galícia, Cela foi um dos escritores mais premiados do seu país. Junto com oito irmãos, ele passou a infância na cidade galega de A Coruña (em espanhol La Coruña). Sobre essa época ele escreveu “que era tão feliz que nem dava vontade de crescer”. Quisera que todas as crianças do mundo pudessem sentir o mesmo. Contudo, sua carreira foi controversa pois, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), ele se ofereceu como informante voluntário do Generalíssimo Franco, líder dos nacionalistas (ou falangistas), que saíram vitoriosos do confronto. Mais do que isso, já morando em Madri, ele retornou à Galícia para se juntar às forças franquistas, tendo sido ferido em uma batalha. Anos mais tarde tornou-se um censor, ou seja, quem decide se uma obra deve ser publicada ou não sob o ponto de vista do conteúdo moral e político. Convenhamos que não é das profissões mais simpáticas. Mas como o mundo dá voltas, alguns de seus livros também foram proibidos na Espanha por censores mais jovens e, seguramente, mais rigorosos. Cela era um escritor bastante versátil tendo produzido obras em todos os gêneros da literatura. No entanto, a fama nacional e internacional foi obtida graças aos seus controversos romances. Em 1931, diagnosticado com tuberculose, Cela fica internado em um sanatório, lendo ativamente e recolhendo ideias para seu livro Pabellon de Reposo, que só foi editado em 1943. Em caso raro na literatura mundial, Cela viu seu primeiro livro publicado (La família de Pascual Duarte, 1942) se constituir na obra-prima que lhe abriu as cortinas do sucesso literário. E isto na jovem idade de 26 anos. A história, carregada de fortes cenas de ódio e violência, retrata a vida de uma família camponesa na Espanha. Esse romance inaugurou a corrente literária do Tremendismo, curioso nome para designar um movimento que “advoga a expressão da realidade com o exagero dos aspectos mais crus da vida.”

Cela começou a estudar medicina na renomada Universidade Complutense de Madri, mas logo abandonou os estudos para se dedicar ao jornalismo. Seu segundo livro de sucesso foi “A colmeia” (La colmena, 1951), editado em Buenos Aires, já que a obra fora proibida pela censura espanhola devido a suas passagens eróticas. Trata-se de um relato que cobre três dias de inverno em Madri, apresentando mais de 200 personagens. O próprio Cela atuou como roteirista na versão para o cinema, dirigida por Mario Camus (1935-2021). Em 1957 Cela tornou-se membro da Real Academia Espanhola. Desde 1955 ele passou a viver na ilha espanhola de Maiorca. De 1953 a 1969 ficou longos 16 anos sem publicar sequer uma novela. Mas várias premiações ainda o aguardavam: o prestigiado Prêmio Princesa de Asturias, em 1987, o Nobel de Literatura em 1989 e o renomado Prêmio Cervantes em 1995. De 1977 a 79 Cela foi Senador na Corte Constituinte Espanhola. Um ano antes de receber o Nobel, ele publicou mais um de seus livros experimentais, Cristo versus Arizona, em que é descrito o famoso duelo no Curral OK no Velho Oeste norte-americano. Uma única sentença ocupa mais de 100 páginas. Em 1996, já mundialmente famoso, ele recebeu do rei Juan Carlos I o título de Marquês de Iris Flavia, que é o nome de sua aldeia natal na Galícia.

Conhecido pela sua impaciência e amargo mau humor, Cela foi colecionando episódios e notícias bizarras, como o protesto apresentado à mídia espanhola de que, na cerimônia de comemoração do centenário do poeta Federico Garcia Lorca (1898-1936), o auditório estaria repleto de homossexuais. Não foi surpresa para o público a notícia de que ele, em seu testamento, havia deserdado o filho Camilo José Cela Conde, o qual não receberia nem um centavo da fortuna acumulada pelo pai. Seguramente houve um motivo para tal decisão, mas que teria de ser bastante forte. Cela morreu de ataque cardíaco em 2002. No processo movido pelo filho, que se estendeu até 2012, a justiça espanhola deu ganho de causa ao requerente.                  

A língua latina (2)

O latim é uma língua flexiva, já que há declinação para nomes, adjetivos e pronomes conforme o caso gramatical, além da conjugação dos verbos. Os casos do latim, que foram herdados por algumas poucas línguas românicas, são: nominativo (sujeito da oração), genitivo (possessão), acusativo (objeto direto), dativo (objeto indireto) e ablativo (relação de afastamento, também pouco frequente nas línguas românicas). A maioria dos idiomas derivados do latim não possui alterações na forma da palavra de acordo com o caso gramatical. Em português dizemos, por exemplo: Eu dei o livro (objeto direto) ao João (objeto indireto), ou seja, usamos os artigos e preposições para indicar os casos. A propósito, no idioma latino não existem artigos.

A ordem sintática no latim é SOV (Sujeito/Objeto/Verbo): eu livro leio. Em contrapartida o uso de declinações fornece ao idioma uma enorme maleabilidade: Por exemplo: Marcus amat Cornelium (Marcos ama Cornélia), que pode ser perfeitamente escrito como Cornelium amat Marcus, sem nenhum prejuízo à compreensão, pois “quem ama quem” já foi estabelecido pela declinação do objeto direto. Mas se escrevermos Cornelia Marcum amat, saberemos que Cornélia ama Marcos. A interessantíssima língua esperanto, criada no século XIX (veremos em um Post futuro) adotou essa flexibilidade do idioma latino. Para complicar a vida de quem escrevia e lia latim nas épocas antigas não havia separação entre as palavras, ou seja, o texto era uma única e complexa sequência de vocábulos. Em latim existem três gêneros gramaticais: masculino, feminino e neutro. Tal característica, embora encontrada em alguns idiomas germânicos, não existe nas línguas românicas.

Quanto à pronúncia do latim, temos, de fato, um enorme problema, já que, por motivos óbvios, não existem registros fonéticos da pronúncia das frases. O mesmo ocorre com o grego antigo. Os estudiosos sugeriram a adoção de três tipos de pronúncia: a eclesiástica ou romana, empregada nos ritos da Igreja e que tem a mesma fonética do italiano; a restaurada, adotada pela maioria dos filólogos e ensinada nas escolas de latim e a pronúncia nacional, ou seja, seguindo-se as regras de cada idioma.

Na pronúncia restaurada, que é a mais relevante sob o ponto de vista linguístico, o “c” é pronunciado como “k” (portanto, Kikero e não Cícero), o “h” é aspirado, como no inglês, o “g” soa como “gue” (angelus), o “j” soa como “i”, o “v” como “u” (assim vita é uita), o “r” não tem o som rolado (ou apical), nunca como Rrroma, mas como barato, o “qui” é “kui”, o “x” soa como “ks” e o “z” como “dz”. Nas ligaturas (união de letras em um único sinal gráfico) tem-se: æ soando como “ái” e œ como “ói”.  Em latim não existem palavras oxítonas. A língua românica que tem o léxico mais próximo do latim é o italiano, ao passo que, na fonologia, é o idioma sardo (v. Post 55).

Os pronomes pessoais são: ego, tu, is/ea/id (masculino, feminino e neutro), nos, vos, ei/eae/ea. Os números de 1 a 3 também possuem as representações para os três gêneros (unus/una/unum, duo/duae/duo, tres/tres/tria, quattuor, quinque, sex, septem, octo, novem, decem. Algumas expressões (na verdade, não consigo imaginar em quais situações vocês poderiam ouvi-las ou usá-las): gracias tibi ago (obrigado), me excusa (desculpe), amabo te (por favor), te amo (igual ao português), vale (até logo), nullo intellego (não entendo). Dias da semana: dies lunae, dies martis, dies mercuri, dies iovis, dies veneris, dies saturni, dies solis, portanto todos eles originários de nomes de divindades. Nosso sábado (hebraico shabat, dia de repouso) e domingo (dominicus, dia do Senhor), semelhante ao italiano domenica e ao francês dimanche, não provêm diretamente do calendário latino.    

No processo de evolução do latim para o português são observadas algumas características. Assim, por exemplo, houve a perda do “L” intervocálico na formação dos substantivos em português, mas não nos adjetivos correspondentes: colore cor (mas: colorido); dolore → dor (mas: doloroso); calente → quente (mas: calor); pluvia → chuva (mas: pluvial). Nesse último caso tem-se a provável influência dos suevos (antigo povo germânico do noroeste da Península Ibérica) na transformação de “ph” em “ch”. Ocorreu também a perda do “N” intervocálico: luna → lua (mas: lunar). Uma corrente da Filologia defende que a derivação de línguas não é um processo unicamente vertical, havendo também um direcionamento transversal, o que teria levado à possível sequência: latim vulgar galego → português.

Não confunda

  • Afixo: morfema (unidade linguística) ligado ao radical da palavra. Pode ser subdividido em:
  • Prefixo: situado antes da raiz, p. ex., ver → prever;
  • Sufixo: situado depois da raiz, p.ex., casar → casamento;
  • Infixo: situado dentro da raiz: café → cafezal;
  • Circunfixo: uma parte fica no início e outra no final da palavra; comum nos idiomas malaio e geórgio.

Parassíntese (ou derivação parassintética): uso simultâneo de prefixo e sufixo: anoitecer    

Frase para sobremesa: Por que não uma dose tripla de Cela? 1) Escrever não é fácil ou difícil, mas possível ou impossível. 2) A liberdade é uma sensação. Por vezes pode-se esperá-la fechado numa gaiola, como um pássaro. 3) A sorte é como a mulher que se entrega a quem a persegue e não a quem a vê passar na rua sem lhe dizer uma palavra. 

Bom descanso!

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