Post-66

Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.

1981: Elias Canetti (1905-94): O celebrado escritor Elias Canetti apresenta uma trajetória essencialmente internacional: nascido na Bulgária, quando ela ainda fazia parte do Império Otomano (Canetti preferiu conservar a nacionalidade turca), ele viveu nos três maiores países europeus de língua alemã, a saber Alemanha, Áustria e Suiça, residiu por algum tempo em Londres, onde recebeu a nacionalidade britânica e teve como língua materna o idioma ladino (mencionado brevemente no Post 53), também conhecido como Judeu-Espanhol, dado ter sido a língua praticada pelos judeus expulsos da Península Ibérica em 1492 e que migraram para a região dos Bálcãs, Grécia, Romênia, Bulgária e vizinhanças. É um dos poucos casos de um ganhador do Nobel de Literatura que escrevia em um idioma (alemão), distinto de sua língua materna (ladino). Ou seja, Elias devia comprar pão em turco, estudar na escola em búlgaro, falar ladino em casa e escrever – aliás muito bem – na língua de Goethe. A propósito, seu sobrenome busca as raízes na aldeia espanhola de Cañete, de onde vieram os longínquos antepassados.

Ele era o filho mais velho de uma família de judeus sefarditas (i.e., cujos antepassados viviam na Espanha ou em Portugal), que se ocupava com o comércio na próspera cidade de Ruse, às margens do Rio Danúbio. Do outro lado da ponte já era a Romênia, mais um dos países que devem ter feito parte dos sonhos do garoto poliglota. Aos sete anos de idade ele perde o pai e a família decide migrar para Viena. Quatro anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, ele, juntamente com a mãe e os irmãos se mudaram para a Suiça, onde se sentiriam mais protegidos. Em Zurique Canetti frequentou o colégio até os seus 16 anos, quando chegou o momento de nova mudança, desta feita para Frankfurt. Após três anos ele voltou a viver em Viena (de fato, um rapaz muito movimentado), onde completou seu doutorado em Química (seguramente Canetti foi um dos poucos Doutores laureados com o Nobel de Literatura). Nessa época ele presenciou a fúria da multidão que ateava fogo ao Palácio da Justiça em Viena. O movimento das massas, seus fundamentos e os componentes sociais e psicológicos sempre atraíram a atenção de Canetti, o que culminou com a publicação do livro “Massa e Poder” (Masse und Macht, 1960). Em 1931, portanto aos 26 anos de idade, ele publicou seu único romance “Auto de Fé” (Die Blendung), considerado por muitos analistas como sendo sua obra-prima e um dos livros mais relevantes do século. É a história de um sinólogo (especialista em assuntos chineses) apaixonado por livros, possuidor da maior biblioteca da cidade, mas avesso aos relacionamentos sociais. O livro discorre exemplarmente sobre as questões do isolamento, do fanatismo e da destruição. Sem dúvida uma obra de grande peso, mas eu ainda prefiro sua trinca de comoventes romances autobiográficos, que será comentada a seguir.   

Com a anexação da Áustria à Alemanha nazista em 1938, Canetti muda-se para Londres, onde recebe posteriormente (1952) a nacionalidade britânica. Nesse período ele ainda continua passando longas temporadas na Suiça. A esposa de Canetti (Vera) também era uma conhecida escritora, portanto a prosa no jantar devia ser fortemente literária. Mas isto, quando ele estava em casa, pois Canetti mantinha, sem qualquer constrangimento social, uma série de relacionamentos abertos com mulheres do círculo artístico. Os biógrafos do escritor, por um nobre gesto de discrição, não comentam se a cônjuge também adotava essa postura de vida.

Antes de receber o Nobel, Canetti já havia sido contemplado, em 1972, com o Prêmio Georg Büchner, o mais importante da literatura alemã. Finalizo os comentários com a apresentação do trio de livros autobiográficos, verdadeiras pérolas literárias: “A língua absolvida” (Die gerettete Zunge, 1977), “Uma luz em meu ouvido” (Die Fackel im Ohr, 1980), “O jogo dos olhos” (Das Augenspiel, 1985).  

A língua neerlandesa (3)

A língua flamenga (continuação)

Vocês se recordam de que, no Post 63, indicamos que, no neerlandês, a pronúncia do “g” é absolutamente gutural? Sim, mas isso não vale para o flamengo. Se vocês quiserem saber se uma determinada pessoa está falando neerlandês ou flamengo (mas, ora, é o mesmo idioma), perguntem o nome do genial pintor que, em um ataque de fúria, dizem ter cortado parte de sua orelha. Se ouvirem o som gutural de “van khokh”, o cidadão fala neerlandês, se soar como “van gog”, trata-se, muito provavelmente, de um flamengo. Por fim, cabe ainda esclarecer a complexa pronúncia da letra “v”. Já sabemos que, em alemão, ela soa como “f”, enquanto em neerlandês/flamengo a pronúncia é de “v”, mas isso tem um caráter regional. Em Amsterdam, por exemplo, os habitantes preferem o som de “f”. A diferença de som é muito pequena – façam o teste no espelho – pois são ambas consoantes fricativas (com uma fricção na passagem do ar). Avalia-se que os sons de “v” e “f” não faziam parte da linguagem dos nossos antepassados mais remotos. Até que, com o surgimento da agricultura, foi possível a ingestão de alimentos mais moles. Com as mudanças ocorridas nas mandíbulas humanas, puderam entrar em cena essas duas letrinhas para representar os novos sons.

Algumas expressões em flamengo: Obrigado (Merci; este é um bom exemplo da influência do francês na formação do idioma flamengo; como vimos, essa mesma palavra em neerlandês é Dank U); Bom dia (Goeije morn, apenas ligeiramente distinto do neerlandês); Eu não entendo (Ik verstoa je nie). As outras expressões mais comuns, incluindo-se os numerais e os dias da semana, são idênticas em flamengo e em neerlandês.

(continua no próximo Post)

E a tal da concordância verbal? (2)

  • Uso de fração: com o numerador no singular (Um quarto das mães disse …); com o numerador no plural (3/5 da bancada votaram a favor).
  • Uso de infinitivos: no singular: infinitivos genéricos (Nadar e correr faz bem à saúde); no plural: ideias opostas (Rir e chorar fazem parte da vida).
  • Uso de não só, mas também: Não só ele, mas também seu pai ficaram feridos.
  • Uso de nem…nem: Nem o policial nem o detetive chegaram a tempo.
  • Uso de nem um nem outro: Nem um nem outro esteve lá.

Frase para sobremesa: Seria muito indelicado não deixarmos aqui alguns registros de Canetti: 1) Covarde, realmente covarde, é apenas quem teme as próprias lembranças. 2) Os verdadeiros escritores encontram as suas personagens apenas depois de as terem criado.

Até a próxima!

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