Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
1972: Heinrich Böll (1917-85): o escritor alemão foi um dos mais destacados autores da literatura do pós-guerra (após a Segunda Guerra Mundial), a chamada “literatura dos escombros.” Ele foi também o primeiro alemão a ganhar o Nobel de Literatura após a premiação de Thomas Mann em 1929. Muito versátil nos diversos gêneros literários (escreveu romances, contos, poesias, e peças de teatro), Böll era originário de uma família pacifista, a qual se opôs radicalmente à ascensão do nazismo. De forma coerente com essa postura, ele se recusou a participar da Juventude Hitlerista, movimento que treinava a adolescência alemã para o cumprimento dos ideais nazistas. Não obstante seu posicionamento, ele foi recrutado pelas Forças Armadas da Alemanha Nazista (Wehrmacht), tendo lutado na França, Romênia, Hungria e União Soviética. Foi ferido em quatro ocasiões, tendo sido capturado pelos norte-americanos em 1945, último ano do conflito, e conduzido para um campo de prisioneiros de guerra.
Após ter estudado Língua Alemã na Universidade de Colônia, Böll dedicou-se exclusivamente à literatura a partir dos 30 anos de idade. Sua publicação inicial foi o romance “O trem foi pontual” (Der Zug war pünktlich, 1949). A seguir ele escreveu seu primeiro sucesso literário, Wo warst Du, Adam, 1951 (Onde você estava, Adão?) sombrio relato sobre a vida de um soldado ao final da Segunda Grande Guerra. Para Böll não existiam heróis. As pessoas mais virtuosas eram aquelas que se dedicavam à luta contra a injustiça e a opressão. Na década de 1960 despontou uma de suas obras mais conhecidas, “Pontos de vista de um palhaço” (Ansichten eines Clowns, 1963), transformada em 1976 em filme sob a direção do conhecido diretor tcheco Vojtech Jasný (1925-2019). Uma pessoa, disfarçada de palhaço, analisa a situação da Alemanha nos duros anos da pós-guerra. Em 1967 Böll recebeu o prêmio literário Georg Büchner, o mais importante da Alemanha.
Outro romance de grande impacto nos leitores e na crítica foi “Retrato de um grupo com senhora” (Gruppenbild mit Dame, 1971), o qual mostra a vida de uma mulher nas décadas de 1930 e 40 e sua percepção sobre o início da era nazista. Mais uma vez o tema da guerra, suas causas e consequências, ocupava a pena de Heinrich Böll. Também esta obra foi convertida em filme com direção do francês Aleksandr Petrovic (1929-94) e a fascinante presença de uma das atrizes mais celebradas da Europa, a austríaca Romy Schneider (1938-82). Em 1974 é publicada possivelmente sua obra mais conhecida “A honra perdida de Katharina Blum” (Die verlorene Ehre der Katharina Blum), no ano seguinte filmada a quatro mãos sob a competente direção do alemão Völker Schlöndorff (1939-) e de sua esposa, na época, Margarethe von Trotta (1942-). Este curto romance descreve a investigação pela imprensa e pela polícia de uma mulher que havia passado a noite com um suposto terrorista. A relação de Böll com a imprensa alemã se tornara cada vez mais conflituosa, particularmente com o poderoso diário Bild, o maior da Europa e um dos líderes de tiragem no mundo. De forma absolutamente curiosa – para se dizer o mínimo – esse periódico havia informado aos leitores, em 7/2/1974, que a casa de Böll teria sido revistada pela polícia devido a suspeitas de seu envolvimento com o terrorismo. Só que a notícia saíra na edição matutina, vendida nas primeiras horas do dia, ao passo que a operação policial só ocorreu às 16 horas desse mesmo dia, algo assim como um filme de ficção científica capaz de fazer retornar o tempo. Cada vez mais envolvido na luta pelos direitos humanos, Böll abandona a Igreja Católica em 1976, após severas críticas ao comportamento do Vaticano durante o período nazista. Alguns anos antes ele havia abrigado em sua residência o escritor Aleksandr Solzhenitsyn, laureado com o Nobel em 1970 (v. Post 54), logo após sua expulsão da União Soviética. É desta época também a criação da Fundação Heinrich Böll, organização política alemã sem fins lucrativos, dedicada à sustentabilidade da democracia e do meio ambiente. Atualmente ela atua em mais de 60 países, possuindo 28 escritórios em diversas partes do mundo, inclusive na cidade do Rio de Janeiro.
Línguas da Itália (VI)
A língua vêneta
Terminaremos a apresentação das principais línguas faladas na Itália com a explanação sobre o idioma vêneto (vèneto), o qual pertence ao subgrupo galo-românico das línguas derivadas do latim. O vocabulário e a estrutura gramatical do vêneto estão muito mais próximos do catalão, do francês e do espanhol do que do italiano. Como já apontado na descrição de outras línguas faladas na Itália, o idioma vêneto consiste em um conjunto de dialetos utilizados na região de Veneza, na cidade de Trieste, em algumas partes da Croácia e Eslovênia e em relevantes enclaves linguísticos no México e no Brasil. Todos os falantes do vêneto são bilíngues, já que o idioma é usado quase que exclusivamente em contextos informais. A língua vêneta não tem status oficial na Itália. Contudo, na época da República independente de Veneza (séculos IX a XVIII), era uma língua muito prestigiada no país, com uma extensa produção teatral e até mesmo relevantes contribuições científicas, dentre elas alguns artigos escritos por Galileu Galilei (1564-1642). Além disso, devido à importância política da República de Veneza, o vêneto era utilizado como língua franca (língua de comunicação) em toda a área do Mediterrâneo. Todavia, no processo da unificação italiana (1861), o dialeto toscano é que foi adotado como língua nacional.
Os textos mais antigos em língua vêneta remontam ao século XII. A formação do idioma contou com uma forte contribuição das tribos germânicas (visigodos, ostrogodos, lombardos) que invadiram o norte da Itália no século V. Como seria de se esperar, a principal variação dialetal do idioma vêneto é o veneziano, o qual, no entanto, apresenta suas próprias características ortográficas e gramaticais. Assim, por exemplo a frase “Marco está chegando” apresenta as seguintes variações: Marco sta arrivando (italiano), Marco sta rivando (veneziano) e Marco el xe drio river (vêneto).
Sob o aspecto fonético o idioma vêneto apresenta suas curiosidades. Ele possui a letra “ç”, que tem o som similar ao do inglês “th”, do grego “θ” ou do espanhol “c” (não se aplica ao espanhol latino-americano) como em Valencia. Este som é inexistente no italiano. Além disso, a língua vêneta não possui os sons de consoantes duplas, bastante frequentes no italiano. Todavia, a característica mais inusitada é a presença da letra Ł (o “l” cortado, como no polonês), que aqui tem o som de “i”. O italiano antigo tinha esse sinal gráfico, que foi substituído pela letra “i”. Na fonética do vêneto ele, às vezes, é falado como “l”, em outros casos, como nas regiões montanhosas mais isoladas, é simplesmente ignorado. Desta forma, a palavra “gôndola”, a marca registrada de Veneza, pode ser pronunciada como góndoia, góndola ou góndoa. Algumas palavras em vêneto são absolutamente distintas do italiano, como por exemplo trincar (beber, similar ao alemão trinken), copàr (matar), insia (saída), munin (gato), pantegón (rato), récia (orelha) e sgnape (aguardente, do alemão Scnapps). Outras palavras e expressões de uso frequente: Bondi (bom dia), Grazie (obrigado), Per piasser (por favor), Scuxéme (desculpe), Adio (até logo), No capiso (não entendo), Te vògio bem (eu te amo). Os pronomes pessoais: mi, ti, eło/eła, noialtri, voialtri, łuri) (temos aqui o “l” cortado). Números de 1 a 10: un/una, dù/dó, tri, quatro, sinque, siè, séte, òto, nove, dièse.
Uma apresentação do idioma vêneto não poderia deixar de comentar a variante dialetal existente no Brasil, que é conhecida como Talian. Ela é formada por uma ampla mistura de línguas regionais italianas, com predomínio do vêneto, e com fortes contribuições do português. A primeira leva de imigrantes italianos chegou ao Brasil no final do século XIX, no quadro de um programa oficial de recebimento de estrangeiros. Um dos objetivos, além de mão de obra para a agricultura, era o chamado “branqueamento racial”, uma ideologia que foi aplicada de 1889 a 1914 no sentido de minorar a participação de negros, mestiços e índios na pirâmide populacional brasileira. Aos olhos da época tal esdrúxula iniciativa era legítima. O talian foi reprimido no Brasil em uma Campanha de Nacionalização conduzida durante o governo Vargas, voltando a ganhar força a partir da década de 1970. Como sabemos, a maior parte dos imigrantes italianos fixou residência nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, existindo, no entanto, ocupações regionais no Paraná e Espírito Santo. Em 2010 a cidade gaúcha de Serafina Corrêa foi a primeira do país a adotar o talian como idioma cooficial. Atualmente já são 22 municípios que implantaram essa iniciativa, todos eles ou no Rio Grande do Sul (a maioria) ou em Santa Catarina. As argumentações linguísticas para se caracterizar o talian como um idioma são: uso comprovado por um grupo populacional definido (estima-se em um milhão de falantes); redação estável; existência de sintaxe definida; sistema fonológico-ortográfico; conformação léxica fixada em gramáticas e dicionários; literatura própria e história contínua. No Brasil, mais de 100 emissoras de rádio e várias de televisão transmitem algumas horas de sua programação em talian, existindo ainda jornais regionais na língua. Alguns exemplos da influência do português no idioma talian: bolo (e não torta como no vêneto), coraçón (e não core), garafa (e não butiglia), sapatero (e não scaporlin) e a lista seguiria por muitas linhas. Se vocês me perguntarem se um veneziano, de elevadíssima cultura linguística, resolvesse passear pelos vinhedos da Serra Gaúcha e entabulasse conversa com um morador local, falante do talian, será que o turista entenderia? Com muita dificuldade e enormes doses de boa vontade. E se fosse um italiano? Seria como se ele estivesse na China (obviamente para aqueles italianos que não falam chinês).
Algumas expressões portuguesas (4)
Tudo como dantes no quartel de Abrantes: diz-se daquilo que permanece sempre na mesma situação, sem alterações. Na época da invasão francesa em Portugal (1807) o general Junot instalara seu quartel-general em Abrantes. Na ausência de reação por parte do regente D. João VI, o povo usava a expressão para indicar que nada se movimentava.
Levar a palma: distinguir-se, sobressair.
Sem dizer água vai: expressão originária do costume medieval, em diversos países da Europa, de se avisar aos transeuntes antes de se esvaziar pela janela os recipientes com dejetos. Passou a assumir o significado de ir-se embora sem dizer nada a ninguém.
Famílias de primeira plana: de primeira classe ou categoria.
Bastas vezes: numerosas vezes.
Pingues proventos; abundantes, fartos.
Frase para sobremesa: Em homenagem a Heinrich Böll, ficamos aqui com a lucidez e objetividade da emblemática frase relativa aos objetivos da Fundação que leva seu nome: Envolver-se é a única forma de enfrentar a realidade.
Até a próxima!