Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
1971: Pablo Neruda (1904-73): O famoso poeta chileno, que nasceu como Ricardo Eliécer Neftali Reyes Basoalto, adotou o nome literário de Pablo Neruda (convenhamos, mais simples e sonoro), o qual, posteriormente, passou a ser seu nome legal. Nascido na cidade de Parral, ao sul de Santiago, mudou-se na infância para Temuco, cerca de 700 km ao sul da capital, onde cursou o ensino fundamental e médio. A diretora da escola, que o encorajou a escrever os poemas com os quais sonhava, era Gabriela Mistral (Prêmio Nobel de Literatura em 1945, v. Post 28), assim são as coincidências da vida. Em 1921 Neruda mudou-se para Santiago com o objetivo de cumprir estudos universitários em Pedagogia e em Francês. Com a jovem idade de 23 anos ele inicia sua carreira diplomática assumindo um cargo consular em Rangum (hoje Yangon) na Birmânia (hoje Mianmar). Dois anos depois é transferido para o Ceilão (hoje Sri Lanka), depois Batávia (hoje Jacarta, assim é o mundo), onde conheceu uma holandesa com a qual teve sua única filha, nascida em 1934 com um problema de hidrocefalia, que levou à sua morte oito anos depois. Neruda mal a conheceu, se afastando da amante e da filha poucos meses após o nascimento. Em 1933 ele já ocupava um posto em Buenos Aires quando conheceu o renomado poeta espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936), que estava viajando pela Argentina. Esse encontro significou um forte incentivo para que Neruda continuasse sua carreira de poeta. No ano seguinte ele é transferido para Barcelona e seis anos depois para o México, onde permaneceu até 1943. Em 1945 Neruda foi eleito senador pelo Partido Comunista. Três anos depois, quando o comunismo foi banido do Chile, Neruda teve de viver escondido durante meses no porão de uma casa no porto de Valparaíso. Convencido por amigos, ele empreende uma arriscada fuga através das montanhas para a Argentina, onde ficou três anos exilado. O episódio é apresentado em detalhes no filme Neruda, ótima película dirigida por Pablo Larrain (1976-) e tendo Luis Gnecco (1962-) no papel principal. Em Buenos Aires, Neruda estreitou o relacionamento com o adido cultural da embaixada da Guatemala, Miguel Angel Asturias, Nobel de Literatura em 1967 (v. Post 51). A semelhança física com Asturias fez com que Neruda, exilado político, viajasse pela Europa utilizando o passaporte do guatemalteco (não se sabe exatamente como foi feito esse acerto). Depois de ficar um período no México, sempre escrevendo seus poemas, Neruda é autorizado a retornar ao Chile em 1952. No ano seguinte ele recebe o Prêmio Lenin da Paz (v. Post 51 para os detalhes dessa premiação), continua escrevendo, torna-se Doutor Honoris Causa pela universidade inglesa de Oxford, prossegue redigindo poemas e torna-se conselheiro do presidente Salvador Allende (1908-73), que o indica para o prestigiado posto de embaixador do Chile na França (1970-3). Neste período ele é galardoado com o Nobel de Literatura, em uma decisão que gerou um certo descontentamento pela postura francamente stalinista do laureado. Foi esse também o motivo do esfriamento da amizade com o escritor mexicano Octavio Paz (Nobel de Literatura em 1990). A pertinaz defesa do leninismo (Neruda apregoava que Lenin era o maior gênio do século) e, pior ainda, do stalinismo, fez com que vários amigos dele se afastassem. O icônico escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) afirmou que “Neruda é um excelente poeta, mas não o admiro como homem.” Após regressar de Estocolmo para o Chile, o presidente Allende convidou Neruda a ler o discurso do recebimento do Nobel para um público de 70.000 pessoas no Estádio Nacional (certamente nenhum outro laureado teve plateia tão numerosa). Em 1973, acometido pelos efeitos de um câncer na próstata, Neruda é levado ao hospital onde recebe uma injeção. Suspeitando de que o governo Pinochet estaria querendo matá-lo, Neruda foge do hospital e vai para sua casa em Isla Negra, ao sul de Valparaíso, onde morre algumas horas depois. A controvérsia sobre a real da causa do óbito seguiu durante décadas, até que exames toxicológicos feitos no corpo exumado de Neruda, realizados na Espanha e EUA em 2013, concluíram não haver a presença de substâncias tóxicas. Contudo, declarações posteriores de empregados do hospital e de pessoas muito próximas a Neruda dão conta de que o mistério ainda não estaria resolvido. Quando a municipalidade de Santiago lançou a ideia de nomear o Aeroporto de Santiago como Pablo Neruda houve um forte protesto por parte de grupos feministas. O motivo se deveu a um estupro, ou algo parecido, cometido por Neruda contra uma camareira em um hotel no Ceilão, em 1929, quando era diplomata. O curioso é que o episódio foi relatado pelo próprio autor do delito em sua autobiografia.
Da extensa obra poética de Neruda, talvez três obras possam ser destacadas: “Canto geral” (Canto general, 1950), escrita no México, “Cem sonetos de amor” (Cien sonetos de amor, 1959) e o livro autobiográfico, de publicação póstuma, “Confesso que vivi” (Confesso que he vivido, 1974). O conhecido filme “O carteiro e o poeta” (Il postino, 1994), dirigido por Michael Radford (1946-) e com Philippe Noiret (1930-2006) no papel de Neruda é, na verdade, uma obra de ficção, já que o poeta nunca viveu em uma ilha italiana, conforme o enredo do filme.
Línguas da Itália (V)
A língua sarda
O idioma sardo (sardu) ou sardenho é falado na ilha da Sardenha, atualmente uma região da Itália. A ilha já fez parte do Império Bizantino (que sucedeu ao Império Romano, tendo a transição ocorrido do século IV ao VI), depois ficou sob o domínio muçulmano até a conquista pela Coroa de Aragão (de fala catalã) no século XIV, que estendeu até 1720, quando foi entregue à Casa de Saboia (uma das mais famosas famílias nobres da Europa) para, finalmente, ingressar no território italiano na época da reunificação do país (1861). A variedade de povos dominadores naturalmente exerceu influência no vocabulário e na estrutura do idioma sardo, o qual já existe como língua escrita desde 1080. O isolamento da ilha fez com que o sardo medieval fosse utilizado como língua administrativa, em vez do latim ou grego. A influência do espanhol e do catalão pode ser verificada em palavras como bentana (janela) ou casu (queijo), ambos bastante distintos do italiano (finestra e formaggio). Os linguistas apontam para a ocorrência de um processo de convergência dos vários dialetos sardos antigos, no qual eles foram se modificando até atingirem uma certa padronização, conhecida pela palavra grega koiné (κοινη), que significa “língua comum.” Atualmente são identificados apenas dois dialetos principais na língua sarda: o logudorês (centro e norte da ilha) e o campidanês (sul da ilha, abrangendo a capital Cagliari), cada um deles com aproximadamente 600.000 falantes. No entanto, ainda existem algumas fortes diferenças entre algumas palavras nos dois dialetos, como por exemplo a grafia do número 4, que é bator em logudorês e cuatru em campidonês. De qualquer forma, o sardo é a língua românica que mais se aproxima do latim. Desde 1999 ele é um dos 12 idiomas minoritários da Itália. Na classificação da UNESCO, o sardo é reconhecido como “língua ameaçada.”
Os pronomes pessoais em sardo são: Deu, tui, isso/ issa, nois, vois, issus/ issas. Algumas palavras e expressões: Grazie, pro piaghere (por favor), bòna di (bom dia), a si biri (até logo), no appo cumpresu nutta (não entendo), t’amo (forma curta e fácil). Números de 1 a 10: unu/una, duos/duas, tres, cuatru, chimbe, ses, sete, otto, nobe, deche. Dias da semana: lunis, martis, mércuris, giòvia, chenábura, sáppadu, dumíniga.
A língua siciliana
O idioma siciliano (sicilianu), que não tem status oficial na Itália, é falado por cerca de 5 milhões de pessoas na ilha da Sicília (capital: Palermo) e em partes da região da Calábria, no sul do país. Ele pertence ao ramo ítalo-românico, sendo reconhecido pela UNESCO como língua autônoma minoritária. Existem evidências históricas de que o siciliano seja mais antigo do que o próprio italiano. Muitas iniciativas têm sido conduzidas no sentido da normalização da língua escrita, a qual conta com nove dialetos, distintos, mas mutuamente compreensíveis. A formação do idioma siciliano foi influenciada pela movimentada evolução histórica da Sicília. Sendo a maior ilha do Mar Mediterrâneo, portanto com relevante posição estratégica, ela sofreu ao longo dos séculos variadas invasões que moldaram a estrutura do seu vocabulário, o qual conta com influências dos idiomas fenícios, grego antigo, cartaginês, romano, grego bizantino, árabe, normando, suábio (da Alemanha), espanhol e austríaco. Em um breve apanhado histórico, a Sicília foi conquistada pelos romanos no século III a.C. pelos ostrogodos (antigo povo germânico) de 476 a 535, em seguida pelos gregos bizantinos, pelos árabes, até o século IX, pelos normandos em 1061, pela Coroa de Aragão em 1282, pelos espanhóis, até 1713 e pela dinastia dos Bourbons, em que o rei Fernando I promoveu a reunião dos reinos de Nápoles e da Sicília no chamado Reino das Duas Sicílias, libertada em 1860 pela ação revolucionária de Giuseppe Garibalbi (1807-82), vindo, no ano seguinte, a fazer parte da Reunificação Italiana.
A língua siciliana apresenta algumas características marcantes nos aspectos sintáticos, fonéticos e ortográficos. Os artigos definidos perdem a letra “l” do italiano, assim: o sole (o sol), a casa (a casa). Ocorre também a perda do “i” inicial: mpurtanti (importante), nimicu (inimigo). É muito frequente a terminação das palavras com a letra “u”: iu (eu), mortu (morto), bonu (bom), masculu (homem), vinu (vinho), telefonu (telefone). A construção do tempo futuro é sempre feita com auxílio de verbo auxiliar, por exemplo, avi a cantari (ele cantará), podendo inclusive se usar o verbo no tempo presente com o significado de ação futura, como no português “eu vou viajar amanhã”. Assim a frase “amanhã eu te escrevo” fica dumani t’aju a scriviri. No aspecto fonético se observa o fenômeno do rotacismo (palavra derivada da letra grega ρ, que corresponde ao “r”), em que consoantes alveolares sonoras (d, l, n, z) são pronunciadas como se fosse “r”. No siciliano o rotacismo ocorre com a letra “d”, portanto o número dez (deci) é pronunciado como “reci”.
Os pronomes pessoais na língua siciliana são: iu, tu, iddu/idda, nuàutri, vuàutri, idde. Algumas palavras e expressões: Bon jornu (bom dia), grazie (obrigado), ni videmu (até logo), pi fauri (por favor), scusa (desculpe), nun la capisciu (não entendo), t’amu (eu te amo). Números de 1 a 10:unu, dui, tri, quattru, cincu, sei, setti, ottu, novi, deci.
Existem dois outros idiomas que podem ser considerados como variantes do siciliano: o napolitano e o calabrês, cada um deles ainda contando com muitos dialetos. Ambos apresentam vocabulário semelhante ao siciliano, além de também sofrerem a perda do “l” nos artigos definidos, a eliminação do “i” no início de algumas palavras e o rotacismo na letra “d”.
Algumas expressões portuguesas (3)
Mais velho que a Sé de Braga: a catedral de Braga, no norte de Portugal, foi construída sobre as fundações de um antigo templo romano, tendo as obras se iniciado em 1128.
À tripa forra: em grande quantidade, com exagero: Aquele garoto come à tripa forra. A expressão pode parecer estranha, mas só à primeira vista. ”Tripa”, tanto em Portugal quanto no Brasil, é um sinônimo de “barriga”. “Forro” é um adjetivo que significa “livre, desobrigado”, como em “alforria”. Portanto, “barriga livre.”
(continua no próximo Post)
Frase para sobremesa: Nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou (Victor Hugo, 1802-85)
Bom descanso!