Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
1970: Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008): Escritor, dramaturgo e historiador, Solzhenitsyn foi, durante parte de sua vida, prisioneiro político do regime soviético. Por oito anos viveu como um interno dos temidos Gulags (acrônimo para o termo russo Glavnoe Upravlenie Lagerei, ou seja, Administração Central de Campos), sofrendo ainda vários anos de prisão domiciliar. Foi dele a primeira relevante manifestação escrita sobre as atrocidades cometidas contra os prisioneiros na época da ditadura de Stalin. Frio, fome, enfermidades, canibalismo, extenuação moral, torturas eram componentes cotidianos na miserável vida imposta àqueles que ousaram desafiar a onipotência do sangrento ditador. Bastava uma denúncia de alguém, uma suspeita, mesmo não comprovada, para que as vítimas fossem transportadas até as portas do inferno e, de lá, raramente saíssem.
Solzhenitsyn não chegou a conhecer o pai, que morreu em um acidente de caça antes do nascimento do filho. Após cumprir a formação universitária de Matemático na Universidade de Rostov, ele teve de se alistar no Exército Russo no período da Segunda Guerra Mundial. Participou ativamente de combates em território alemão, chegando assim à patente de capitão. É dessa época a constatação de uma certa falta de respeito para com o Grande Líder: em uma carta escrita a um amigo, interceptada pela famigerada KGB (polícia secreta soviética), ele designa Stalin como “o chefão” (em russo ХОЗЯИН – Khoziáin- que equivaleria ao boss em inglês). Conforme depoimento de amigos e o próprio testemunho de Solzhenitsyn foi esse seu grande pecado. Existem relatos de que muitas outras pessoas, por insignificantes desvios de conduta, também foram condenadas a padecer as crueldades do regime. Após cumprir os oito anos de internação, ele foi enviado ao exílio em uma remota aldeia no sul do Cazaquistão, Ásia Central, na época uma república soviética. Tendo a informação de que seria libertado em 1953, ele se divorcia da esposa, com a qual nem vivia junto, em 1952. Mas, por que, Aleksandr? Ora, a decisão foi motivada pelo fato de que as viúvas de prisioneiros políticos de Gulag perdiam o emprego e a permissão de residência, ou seja, eram transformadas em mendigas errantes. Caso ele morresse, ainda mais sofrendo de câncer não tratado, sua esposa estaria perdida. Voltaram a se casar em 1957 e de novo se divorciaram em 1972, assim é a roda da vida.
Em 1962 Solzhenitsyn havia escrito o livro “Um dia na vida de Ivan Denisovich” (Odin den’ Ivana Denisovicha), ambientado em um campo de concentração soviético, obra essa aprovada pelo novo líder soviético, Nikita Khrushchov (1894-1971). Em discurso no Politburo (comitê central do partido comunista), Nikita havia defendido a publicação sob o argumento de que “como existe ainda um stalinista em cada um de nós, cumpre-nos extirpar o mal pela raiz.” No entanto, a grande obra literária de Solzhenitsyn, aquela que projetou seu nome para além das fronteiras soviéticas, foi “Arquipélago Gulag” (Arkhipelag Gulag), escrita entre 1958 e 1968 e publicada, no idioma russo, por uma editora parisiense em 1973, com o manuscrito tendo sido contrabandeado para fora da Rússia. Já existia uma cópia que um companheiro de Gulag de Solzhenitsyn, ex-ministro da Educação da Estônia (na época uma república russa) havia, não se sabe exatamente como, entregado a sua filha, ficando guardado a sete chaves no cofre da casa estoniana. A partir da primeira publicação, o sucesso foi imediato. O mundo inteiro conhecia Solzhenitsyn e as atrocidades dos Gulags. É curioso observar que a concessão do Nobel a Solzhenitsyn, em 1970, antecedeu à publicação de sua obra magna. Ao contrário de Boris Pasternak (v. Post 41), que não foi autorizado pelo partido comunista a viajar a Estocolmo para recebimento do prêmio, com Solzhenitsyn o problema foi outro, pois ele temia sair do país e não conseguir mais voltar. A cerimônia de entrega, com a presença do laureado, só ocorreu quatro anos depois. Mas a vida de Solzhenitsyn continuava aventureira. Depois da saída de Nikita do cargo de primeiro-ministro, em 1964, a KGB voltou a importunar o escritor, inclusive com uma malograda tentativa de envenenamento, já que ele, apesar de ter ficado gravemente enfermo por algumas semanas, logrou sobreviver. Em 1974 Solzhenitsyn perdeu a nacionalidade russa e foi deportado para a Alemanha, onde viveu algum tempo na casa do escritor Heinrich Böll (1917-1985), premiado com o Nobel em 1972. Portanto, na mesa do café da manhã se sentavam dois laureados, realmente algo de peso. Ainda na década de 1990 Solzhenitsyn se mudou para os EUA, atuando como professor convidado na Universidade de Stanford. Em 1990 ele recuperou a cidadania russa e em 1994 regressou à terra natal. Sua morte, em 2008, foi devida a um ataque cardíaco. Não obstante a possível simpatia que se sente por presos políticos, ainda mais condenados por ninharias, cabe lembrar que Solzhenitsyn tinha posturas muito controversas, pois admirava o Generalíssimo Francisco Franco (1892-1975) e o apenas general Augusto Pinochet (1915-2006), além de elogiar abertamente a escolha de Vladimir Putin (1952-) como presidente do país.
Línguas da Itália (IV)
A língua lombarda
A língua lombarda é falada, principalmente, na região da Lombardia, situada na Itália Setentrional, tendo Milão como capital, e ainda no cantão de Ticino, na Suiça Italiana. O nome “lombardo” provém do povo dos longobardos (em italiano: longobarbati, ou seja, longas barbas), uma etnia germânica que invadiu a Itália em 568. A primeira obra escrita no idioma lombardo data de 1264. Existem dois dialetos principais do lombardo, o Oriental e o Ocidental, os quais guardam fortes diferenças entre si, quase como se fossem duas línguas distintas. Apesar de o Estado Italiano não reconhecer o lombardo como minoria linguística, a UNESCO o classifica como idioma em perigo de extinção. Na Itália, a maior parte da população considera a língua lombarda na qualidade de um dialeto do italiano, o que é incorreto sob o aspecto linguístico, posto que o lombardo faz parte de um outro subgrupo das línguas românicas (onde também estão o liguriano, o piemontês e o vêneto). Já na Suiça, no cantão de Ticino (capital: Bellinzona), onde se situam cidades de forte apelo turístico, como Locarno e Lugano, a língua é muito mais preservada, com ensino facultativo nas escolas e veiculação de programas de televisão nesse idioma. Neste cantão encontra-se o exclave de Campione d’Italia, uma cidade com área de 2 km2 onde se fala lombardo. Ela pertence à Itália, mas está localizada dentro da Suiça. Pode isso? Vamos entender: um enclave é um país situado integralmente dentro de outro, como é o caso de San Marino e do Vaticano (dentro da Itália) e do Lesoto (dentro da África do Sul). Por outro lado, um exclave é uma parte de um país localizada totalmente em território estrangeiro. Para quem gosta de Geografia, esses são aspectos bem fascinantes. Outra curiosidade é que a cidade de Campione d’Italia tem como moeda o euro, embora esteja cercada pelo território suíço, onde a moeda é o franco suíço. Será que a mesada dos filhos é dada em euros ou em francos suíços?
Uma marca característica do lombardo (encontrada também no piemontês) é o som de “ô”, comum no francês, alemão e nas línguas escandinavas, mas não nos idiomas românicos. Assim a palavra “hoje” (incœ) tem a fonética de “inkô”. Naquele mesmo passeio de trem pela Europa, a que aludimos no Post 53, se um companheiro de cabine emitir este som, vocês podem perguntar: “Desculpe cavalheiro, o senhor está falando francês, alemão, dinamarquês, sueco, norueguês, piemontês ou lombardo?” E como seria “quente” em lombardo? Simplesmente cold, o que pode confundir os falantes de inglês. Outras palavras e expressões: Grazie (obrigado), Bon di (é necessário traduzir?), Bon appetit (idêntico ao francês), Scusa (desculpe), Se vedon (até logo), Capissi minga (não entendo), Te vœri ben (eu te amo; já sabemos a pronúncia do œ). Números de 1 a 10: vun/vuna, duu/do, tri/ter, quater, cinch, ses, set, vot, noeuu, des. A propósito, a letra “u” é pronunciada como o “i” do francês e a letra “o” como “u”.
A língua piemontesa
Conforme já comentamos, o piemontês (la lenga piemontèisa) é um idioma próximo do lombardo (com a recíproca sendo também verdadeira), abrigando um número estimado de três milhões de falantes. A região do Piemonte, localizada no Norte da Itália, tem como capital a cidade de Turim (italiano: Torino, piemontês: Turin, pronunciada Tirin, como o “u” francês). Também aqui, à semelhança do friulano (embora sejam de famílias distintas), existe a inserção de partículas (denominadas pronomes clíticos) entre o pronome pessoal e o verbo. Por exemplo, o verbo “ser”: mi i son, ti it ses, chiel a l’é, noi i soma, voi i seve, lor a son. O idioma piemontês caracteriza-se pelo intenso uso de expletivos (partículas de realce) como seria no português: Quando é que você chegou? Nesta frase as palavras em negrito são completamente dispensáveis, mas nós gostamos de falá-las. Os piemonteses também. Para quem sabe francês, é fato conhecido a prática de iniciar muitas frases com os pronomes oblíquos, por exemplo: Moi, je parle …. (a tradução literal seria algo como “mim, eu falo…”). Na versão piemontesa: Mi, io parlo…Outra peculiaridade é o fato de a partícula negativa ser colocada após o verbo (posicionamento raras vezes encontrado em outras línguas). Por exemplo: lor a beivo (eles bebem); lor a beivo nen (eles não bebem).
Quanto à fonética, valem aqui as observações feitas para a língua lombarda, logo acima no texto. Cabe complementar que a letra “z” no piemontês tem o mesmo som que em português e não como o italiano (“ts”). Muitas palavras na língua piemontesa evidenciam uma clara semelhança com o francês: mison (casa), surti (sair), travajé (trabalhar), euvra (obra), feu (fogo), osel (pássaro), seure (irmã). Outras palavras e expressões (algumas delas dispensam a tradução): Bom di, grassie ou mersì, adiù, për piasì (por favor), is vedoma (até logo), mi’t veuj bin (eu te amo). Números de 1 a 10: un/üna, dùi/dùe, trai/tré, quatr, sinch, ses, sét, eut, neuv, des.
Algumas expressões portuguesas (2)
Por dá cá aquela palha: por uma coisa insignificante; sem nenhum motivo importante. Essa menina começa a gritar por dá cá aquela palha.
Meter-se em camisa de onze varas: estar em apuros, em grande dificuldade. A origem da expressão se deve ao fato de os supliciados nos chamados autos-de-fé da Inquisição usarem uma túnica de comprimento aproximado de onze varas (antiga medida em Portugal).
(continua no próximo Post)
Frase para sobremesa: Uma lúcida reflexão de Solzhenitsyn: É uma lei universal o fato de a intolerância ser o primeiro sinal de uma educação inadequada. Uma pessoa mal educada se comporta com uma impaciência arrogante, ao passo que uma educação verdadeiramente profunda gera humildade.
Até a próxima!