Post-53

Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.

1969: Samuel Beckett (1906-89): Samuel Barclay Beckett foi um dramaturgo irlandês, considerado como criador e o maior expoente do chamado Teatro do Absurdo. Esta designação é autoexplicativa, portanto, significa exatamente aquilo que vocês estão imaginando. Além disso, ele adotava uma perturbadora postura minimalista na redação de suas obras, lançando mão do menor número possível de palavras para descrever cenas ou na composição de diálogos. Beckett escreveu novelas, poesia, contos, romances, mas seu grande destaque se deu com a redação de dezenas de peças de teatro. Em todas as suas obras se observa uma visão pessimista do fenômeno humano. De 1923 a 27 ele estudou Literatura Moderna no conceituado Trinity College em Dublin. No ano seguinte à graduação mudou-se para Paris, pois “necessitava de respirar outros ares.” Lá, por intermédio de amigos comuns, conheceu o já afamado escritor James Joyce, cujos livros exerceram grande influência sobre as obras futuras de Beckett. Regressa à Irlanda por um curto tempo para lecionar Literatura, mas em 1931 retorna a Paris. No ano seguinte escreveu sua primeira novela, Dreaming of Fair to Middling Women, sistematicamente rejeitada por todos os editores para a qual fora enviada. Ela teve uma publicação póstuma em 1993. Em 1933 Beckett retorna a Dublin devido ao falecimento do pai, ali permanecendo por cinco anos, todavia certamente sonhando todas as noites com a sua Paris, para onde regressa de forma definitiva em 1938. Nesse ano um episódio influencia corpo e mente do escritor: ele leva uma facada de um rufião (os puristas preferem o nome proxeneta, enquanto outros defendem o termo mais popular de gigolô). Beckett tem uma lenta recuperação no hospital, onde deve ter pensado seguidamente na cena por ele vivenciada de um verdadeiro Teatro do Absurdo. Sua relação com Joyce sofre um brusco esfriamento quando ele evita o constante assédio de Lucia Joyce, filha do escritor, que, na época, já padecia de problemas psiquiátricos. Em Paris (onde mais?) conhece a mulher (Suzanne) que o acompanharia pelo resto da vida e com a qual se casaria em bodas muito tardias (apenas em 1961). Ambos atuam na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra, são descobertos e obrigados a fugir da França. Em 1965 é registrada sua única intervenção no cinema, em que foi roteirista de um curta-metragem intitulado Film, no qual atuou o genial comediante Buster Keaton (1895-1966). Quem aprecia a sétima arte sabe muito bem de quem estou falando.

A notícia da concessão do Prêmio Nobel de Literatura em 1969 chegou a Beckett quando ele estava de férias na Tunísia, juntamente com a esposa. Como ele era muito avesso a qualquer tipo de publicidade pessoal, foi Suzanne quem conversou com os jornalistas. Ao surgir a mais óbvia das perguntas, qual seja, o que ela achava do recebimento do laurel pelo marido, a resposta foi diretamente ao ponto: “Samuel é uma pessoa muito antissocial e reclusa,temos de respeitar essa característica. Agora ele vai ser obrigado a aparecer na mídia, coisa que detesta. Na minha opinião, esse prêmio foi uma verdadeira catástrofe.” Quanta sinceridade! Beckett faleceu de enfisema pulmonar, cinco meses após a morte da esposa. Estão enterrados no mesmo túmulo no cemitério parisiense de Montparnasse. Conta-se que ele dizia aos amigos (que não deviam ser tantos) que o jazigo de ambos em Montparnasse poderia ser de qualquer cor, mas desde que fosse cinza.

Sua obra mais conhecida é o livro (peça teatral) “Esperando Godot“. Em Portugal, cuja população não fica à vontade com o uso do gerúndio, se chamou “À espera de Godot (En attendant Godot, 1952). O livro foi traduzido para o inglês em 1955 pelo próprio Beckett, o que era feito com muitas de suas obras. A peça pode ser descrita em poucas palavras (bem ao estilo minimalista): em dois atos, ambos com o mesmo cenário, os personagens (inicialmente dois, depois quatro) ficam todo o tempo esperando a chegada de Godot, que não se sabe quem é. E Godot não chega. É uma das peças teatrais mais encenadas em todo o mundo, talvez o momento maior do Teatro do Absurdo. O livro entrou na célebre lista do jornal francês Le Monde dos cem melhores livros do século XX. Por motivos que só ele conhece, Beckett recusou vender os direitos da obra para o cinema. No Brasil a primeira montagem profissional da peça, feita pelo diretor Flávio Rangel (1934-88), contava com os aclamados atores Cacilda Becker (1921-69) e Walmor Chagas (1930-2013). Em 1976 Antunes Filho (1929-2019) dirigiu a primeira montagem brasileira com um elenco só de mulheres. Outra novela de grande repercussão escrita por Beckett foi “Malone morre” (Malone meurt, 1951), na qual uma pessoa inválida, presa a uma cama, aguarda a morte em um sanatório. Contado na primeira pessoa, ali surgem as angústias, reflexões, lembranças, desejos, tudo fora da cronologia real, o que possibilita a Beckett mostrar seu domínio das palavras e das ideias. 

Línguas da Itália (III)

A língua ladino-dolomítica

Este idioma é falado por aproximadamente 30.000 pessoas nos vales das montanhas Dolomitas, localizadas no nordeste da Itália. Todos os falantes do ladino-dolomítico são, no mínimo, bilíngues ou trilíngues, já que vivem em regiões onde as línguas oficiais são ou italiano ou alemão. Na região autônoma de Trentino-Alto Ádige o ladino-dolomítico é um dos idiomas oficiais. Na província de Bolzano essa língua é ensinada nas escolas públicas, existindo ainda jornais e programas de rádio que veiculam o idioma. Na verdade, a denominação da língua engloba uma série de dialetos reto-românicos. Existem enclaves linguísticos de ladino-dolomítico em vários países que receberam imigrantes dessa região, inclusive no Brasil, notadamente no estado do Paraná.

Não se deve confundir o idioma ladino-dolomítico com o chamado simplesmente de ladino, que é também designado como judeu-espanhol, falado por comunidades judaicas na Europa central e meridional. Quando os judeus sefarditas foram expulsos da Península Ibérica em 1492, a maior parte migrou para países como Bulgária, a antiga Iugoslávia, Grécia e Turquia, além, naturalmente, de Israel. O escritor Elias Canetti, prêmio Nobel em 1981, era nascido na Bulgária e, embora seus livros fossem escritos em alemão, tinha o ladino como língua materna. O idioma ladino, que conserva muitos traços arcaicos do espanhol, não tem nada a ver com o ladino-dolomítico, a não ser a confusa semelhança de nomes.   

Para tornar as explicações ainda mais divertidas, ocorre que uma parcela dos falantes do romanche (ou reto-romano), uma das quatro línguas oficiais da Suiça (veremos em um Post futuro), costumam designar sua língua natal também com o nome de ladino. Se, porventura, algum de vocês estiver passeando de trem pela Europa e encetarem conversa com um companheiro de viagem, o qual se apresenta como sendo falante do ladino, não aceitem imediatamente a informação. Perguntem-lhe se ele se refere ao ladino-dolomítico, ao ladino-judeu ou ao ladino-suiço. A pessoa certamente ficará impressionada com o conhecimento linguístico daquele expansivo brasileiro.

A língua liguriana

Este idioma, também chamado de lígure ou de liguriano-genovês (zenéize), pertence à família galo-itálica das línguas derivadas do latim (assim como o emiliano-romanhol, o lombardo, o piemontês e o vêneto). É falado por aproximadamente 500.000 pessoas, principalmente na região italiana da Ligúria, mas também no seu entorno, como na Toscana, no Piemonte e na Emília-Romanha, além de Mônaco, da cidade francesa de Nice e de enclaves da imigração lígure na Argentina, Austrália e EUA. A Ligúria tem como capital a cidade de Gênova (italiano: Gênova, liguriano: Zena), um importante porto marítimo desde o século V a.C. Em 209 a.C. ela foi destruída pelos cartagineses e, posteriormente, reconstruída pelos romanos. A partir do século XI torna-se uma República Marítima, com entrepostos comerciais ao longo do Mar Mediterrâneo e do Mar Egeu. Em 1797 Napoleão integra Gênova na República da Ligúria, essa absorvida pelo império francês em 1805. Logo depois, em 1815, Gênova passa a fazer parte do Reino da Sardenha até 1861, quando ocorreu a reunificação da Itália.

O dialeto genovês, que é a variante mais representativa do liguriano, está documentado desde o século XII. Como a língua não tem status oficial, ela não é protegida por lei. Mesmo assim diversas escolas de Gênova oferecem o ensino facultativo do liguriano. Já o dialeto falado em Mônaco, conhecido como monegasco, é ainda ensinado nas escolas, por ser a língua nacional do país, mas não a oficial, que é o francês. A fonética e ortografia do liguriano diferem daquelas do italiano em alguns casos. Por exemplo, a ligatura Æ (pronunciada como “e”) existe no liguriano, mas não no italiano. O liguriano, ao contrário do italiano, possui a cedilha (ç) (pronunciada como “ss”), inclusive no início de palavras. Em geral o vocabulário liguriano guarda fortes semelhanças com o do italiano, existindo naturalmente muitas exceções. Uma delas é a palavra para morango (meréllo), distinta de todas as línguas românicas. O que o italiano chama de pomodoro em liguriano é o nosso familiar tomàta. Ainda sobre a fonética: o “x” é pronunciado como “j” e a letra “o” tem o som de “u”, o que ocorre também em outras línguas galo-itálicas. Algumas palavras e expressões: Bongiórno (bom dia), A revéise (até logo), Gràçie (obrigado). A palavra para laranja é çetrón, com o charme da cedilha inicial, muito similar ao francês citron, só que este designa o limão. Números de 1 a 10: un, doì/doe, trei/træ, quattro, çinque, sei, sete, eutto, neuve, dexe. Dias da semana: lûnedí, martedí, merculedí, zoeggia, venardi, sabbu, duménnega. E vocês sabem como se diz “alfabeto” em liguriano? Arfabêto, com aquela aprazível sonoridade encontrada em diversas falas populares do nosso país.  

Algumas expressões portuguesas (1)

As expressões linguísticas são um reflexo das características de uma população, do seu modo de encarar a vida, do humor, da história do idioma, portanto, joias a serem preservadas.

Anda mouro na costa: alguma coisa deve estar acontecendo ou está na iminência de ocorrer, dentre elas o surgimento de um pretendente amoroso.   A expressão remonta à época dos piratas árabes que assolavam a costa de Portugal. Mariazinha está com um olhar muito diferente, ali anda mouro na costa.

Nem à quinta facada: de maneira nenhuma, equivale ao nosso “nem que a vaca tussa.”

(continua no próximo Post)

Frase para sobremesa: Uma porção tripla de Beckett: 1) Você tentou. Você falhou. Tanto faz. Tente novamente. Fracasse novamente. Fracasse melhor. 2) As palavras são manchas desnecessárias sobre o silêncio e o nada. 3) Se tu não me amares, nunca serei amado. Se não te amo, nunca amarei.

Bom descanso!

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