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Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.

1958: Boris Pasternak (1890-1960): Nascido em uma rica família judaica na União Soviética, Boris (pronúncia em russo: Borís) Pasternak era filho de um professor de pintura e de uma pianista, portanto difícil de se imaginar um ambiente familiar mais artístico do que esse. O pai era descendente de um judeu sefardita do século XV, banqueiro em Portugal e, na época, um dos homens mais ricos do país, de sobrenome Abravanel. O conhecido apresentador brasileiro de TV, Silvio Santos (1930-), de nome original Senor Abravanel, também é oriundo de uma família de sefarditas, com os pais tendo nascido na Grécia, então parte do Império Otomano. Os judeus sefarditas foram expulsos da Península Ibérica nos séculos XV e XVI, tenho migrado para países como Romênia, Bulgária, Grécia e Turquia. Pasternak saiu da União Soviética para cursar Filosofia na Alemanha (Universidade de Marburg). Em 1914, após o término dos estudos, ele retorna a Moscou, passando a se dedicar à poesia. Neste mesmo ano publica seu primeiro livro de poemas. É oportuno destacar que Pasternak sempre foi conhecido em seu país como um grande poeta e não como romancista.

Sua obra magna “Doutor Jivago” (pronúncia em russo: Dóktor Jivaga), começou a ser escrita em fragmentos nas décadas de 1910 e 1920, no entanto só tendo sido concluída em 1956. Existem diversas traduções do romance para o português, uma delas feita na versão direta do russo por Zoia Prestes [filha de Luís Carlos Prestes (1898-1990), a qual viveu no exílio na Rússia dos 7 aos 22 anos de idade]. O livro é a história de um médico russo dividido no amor entre duas mulheres, abrangendo o período desde a Revolução de 1917 até a Segunda Guerra Mundial. Na época os censores proibiram a publicação da obra sob a alegação de haver claros indícios de rejeição aos preceitos do realismo socialista, por conter críticas à coletivização, ao stalinismo e ao Grande Expurgo promovido por Stalin. Também chamado de o Grande Terror, este expurgo consistiu em uma limpeza étnica e na eliminação ostensiva de todos os opositores ao regime, estimando-se em mais de um milhão o número de mortos. Dos 139 membros do Partido Comunista, 98 foram executados. O mesmo ocorreu com 13 dos 15 generais de cinco estrelas do Exército Vermelho. Dentre os oficiais do Exército acima da patente de major cerca de 5.000 foram fuzilados. Por se tratar de evento tão marcante na História da Humanidade, vai aqui a sugestão para que assistam ao comovente filme russo “O Sol Enganador”, de 1993, dirigido por Nikita Mikhalkov (1945-), que também é o ator principal. A película ganhou o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cinema de Cannes em 1994 e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1995.

Já que falamos de filme, a história de Doutor Jivago se popularizou mundialmente pelo filme homônimo, já visto por todos nós, dirigido pelo inglês David Lean (1908-91) e estrelado pelo ator egípcio Omar Sharif (1932-2015), como Jivago, e pela atriz inglesa Julie Christie (1941-) no papel de Lara. Destaca-se a magnífica trilha sonora do filme, notadamente o “Tema de Lara” que é uma das músicas de cinema mais conhecidas, composta pelo francês Maurice Jarre (1924-2009). Cinematográfica também é a história do manuscrito do livro. Pasternak já havia enviado alguns trechos da obra para amigos no exterior, já que a expedição de todo o volume seria quase impossível. No entanto, o manuscrito foi contrabandeado em 1957 para a Itália, sim, como se fora uma droga ou um arsenal atômico, sendo publicado no mesmo ano. Antes mesmo dessa edição já haviam sido vendidos os direitos de tradução para 18 línguas. A propósito, ele só foi publicado na Rússia em 1988, portanto mais de 30 anos depois, no contexto da abertura política conduzida por Mikhail Gorbatchov (1931-2022). Existem rumores sobre a possível intervenção da Agência de Inteligência Norte-Americana (CIA) no contrabando e na posterior edição do livro com o objetivo de prejudicar o governo soviético. A obra foi distribuída gratuitamente por ocasião da Feira Mundial de Bruxelas, em 1958. Quando, nesse mesmo ano, Pasternak foi contemplado com o Nobel, superando o favoritismo do italiano Alberto Moravia (1907-90), ele enviou um telegrama de agradecimento à Academia Sueca: “Infinitamente grato, emocionado, orgulhoso, surpreendido, esmagado.” Poucos dias depois ele encaminha um novo telegrama renunciando ao prêmio por julgá-lo ser uma distinção imerecida. Vários artistas contemporâneos de Pasternak alegaram, décadas depois, que, se não ocorresse a renúncia, sua família seria prejudicada e uma implacável campanha de difamação seria posta em prática. Em 1989, quase 30 anos após a morte de Pasternak, seu filho foi autorizado a viajar a Estocolmo para recebimento da medalha do Nobel destinada ao pai. Pasternak faleceu de câncer de pulmão. Apesar da proibição de presenças no funeral, panfletos foram distribuídos nas estações de trem e metrô das grandes cidades russas convocando a população para as exéquias do grande poeta. Uma multidão de admiradores, com a coragem de desafiar as ordens do regime, compareceu ao cemitério para prestar a última homenagem a Pasternak.      

Línguas da França (IV)

As línguas de oïl (continuação)

Normando: o normando, falado na região histórica da Normandia não possui estatuto oficial, sendo considerado apenas como uma língua regional. A Normandia, localizada no Norte da França, tem como capital a cidade de Rouen, famosa por sua magnífica catedral e por ter sido o local da morte da guerreira Joana d’Arc (1412-31), queimada na fogueira, excomungada pela Igreja e, cinco séculos depois (1920), canonizada pela mesma Igreja. Outras atrações turísticas da Normandia são o Mont Saint-Michel, os penedos de Étretat e as cidades de Honfleur e Deauville. O litoral da Normandia foi palco dos desembarques de tropas aliadas no apagar das luzes da Segunda Grande Guerra (junho de 1944). Durante a Idade Média a Normandia foi cedida aos viquingues, na tentativa do rei Carlos, o Simples (879-929) (que nome mais inspirado) de chegar a um acordo pelo fim das invasões. Os normandos, que têm origem nórdica (a etimologia do nome vem de nortmann, “homens do Norte”,no frâncico, antiga língua dos francos), foram gradativamente perdendo seu idioma (aproximadamente semelhante ao norueguês antigo) e assimilando o francês. Quando o rei Guilherme, o Conquistador (1028-87), fazendo jus ao nome, conquistou a Inglaterra, ali se tornando rei, o idioma conhecido como anglo-normando (derivado das línguas normandas atuais) foi durante algum tempo a língua jurídica e política da Inglaterra. Na época, três idiomas conviviam no país: o latim sendo considerado como a língua do saber, o normando, utilizado pelo grupo social dirigente e o inglês, falado pelas camadas sociais mais baixas da população. A partir do século XIV o inglês consegue recuperar sua supremacia. Curiosamente ainda subsistem alguns termos legais do anglo-normando nos tribunais das Ilhas do Canal, as quais serão descritas a seguir.  

Atualmente não existe propriamente uma única língua normanda, a qual é subdividida conforme os quatro principais dialetos: o jérriais (falado na Ilha de Jersey), o guérnesiais (falado na Ilha de Guernsey), o sercquiais (falado na Ilha de Sark) e o auregnais (falado na Ilha de Alderney, o território mais ao Norte do arquipélago das Ilhas do Canal; este dialeto está praticamente extinto, já que seus últimos falantes morreram ao longo do século XX).

As Ilhas do Canal (Channel Islands) estão localizadas no Canal da Mancha, que separa a ilha da Grã-Bretanha do norte da França.O nome desse canal em francês é La Manche, por se assemelhar a uma “manga” de roupa, erroneamente traduzido pelos antigos portugueses como “mancha’. Atualmente o arquipélago é uma Dependência da Coroa do Reino Unido, consistindo na única parte do antigo Ducado da Normandia não incorporada à França. Nesta região a recém-falecida Rainha Elisabeth II (1926-2022) era saudada como “Sua Majestade, a Rainha, Nosso Duque”. A contradição na designação do gênero se deve a uma lei do século V, que determinava que a Normandia deveria ser governada exclusivamente por homens (!?). A maior ilha do arquipélago é Jersey (118 km2, 100.000 habitantes), seguida por Guernsey (78 km2, 66.000 habitantes). As outras ilhas têm um significado menor nas considerações linguísticas. Sim, o nome do tecido “jérsei’, aquela malha fina muito agradável ao uso, vem da nomenclatura da ilha, assim como a raça de bovinos. A Inglaterra e a Irlanda reconhecem os dialetos jérriais e guérnésiais como línguas regionais. As Ilhas do Canal emitem sua própria moeda, a qual, no entanto, só é aceita para troca no Reino Unido.  Curiosamente, na Ilha de Jersey, o português é o segundo idioma mais falado (depois do inglês), já que 10% da população é composta por imigrantes portugueses e seus descendentes. O notável escritor Victor Hugo (1802-85) ficou exilado em Jersey e em Guernsey, por vontade própria, durante quase 20 anos (1851-70), como forma de protesto contra o rei Napoleão III (1808-73), “Imperador dos Franceses” e sobrinho do famoso líder militar. No seu livro “Os Trabalhadores do Mar” (Les travailleurs de la mer, 1866) – na minha opinião sua obra magna – Victor Hugo utiliza o nome em jérriais para designar o polvo marinho (em francês poulpe): pieuvre. 

Vamos exemplificar aqui algumas palavras e expressões do jérriais (jersês em português), que é o dialeto normando de maior relevância: Mèrcie (obrigado), Extchûthez-mi (desculpe), Bouônjour (bom dia), Bouan viage (boa viagem), Je n’comprends pon (não entendo), J’ t’aime (“eu te amo”, quase idêntico à grafia francesa). Números de 1 a 10: iun, deux, trais, quatre, chînq, six, sept, huit, neuf, dgix. Dias da semana: lundi, mardi, mêcrédé, jeudi, vendrédi, sanm’di, dînmanche.   

(Continuação no próximo Post)

Figuras de linguagem

Prótase/Apódose: (meu Deus, que nomes!): Existem em uma construção sintática de duas partes relacionadas entre si, em que uma enunciação prepara a outra: Se chover (prótase), não iremos à praia (apódose). Imaginem, em um singelo almoço familiar, se vocês, ainda sóbrios, emitem o juízo de que “apesar de a prótase ser factível, não concordo em absoluto com a apódose.”

Anaptixe: intercalação de uma vogal no interior de um grupo consonantal: febrariu (no latim) → fevereiro.

Paragoge: acréscimo de um fonema não etimológico no final de uma palavra: ante (latim) → antes; club (inglês) → clube.

Frase para sobremesa: Uma saborosa fala de Lara no livro “Doutor Jivago”: Não gosto de obras inteiramente consagradas à filosofia. Penso que a filosofia deve ser usada com parcimônia, como tempero para a arte e para a vida. Ocupar-se somente com filosofia é tão estranho quanto comer apenas raiz-forte.

Até a próxima!

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