Post 40

Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.

1957: Albert Camus (1913-60): Escritor, filósofo, jornalista, dramaturgo, Camus explorou nas suas obras a consciência do absurdo da condição humana, que nos leva a uma revolta, a qual, por sua vez, é o motor propulsor das ações que tomamos na vida. Ele nasceu na Argélia ocupada pelos franceses. Seu pai, que morreu na Primeira Guerra Mundial quando o filho tinha apenas um ano, era argelino, filho de franceses, ao passo que a mãe, também nascida na Argélia tinha origem minorquina (Ilha de Minorca, Espanha). Camus apoiou a guerra da Independência Argelina e fez a defesa enfática dos exilados espanhóis antifascistas e das vítimas do stalinismo. Propagava o conceito dos “objetores de consciência”, isto é, aquelas pessoas que se recusam a fazer o serviço militar e de participar em guerras por princípios religiosos e éticos. Diversos países do mundo aceitam tais argumentos, quando devidamente apresentados. No Brasil a objeção de consciência está prevista no artigo 50 da Constituição de 1988. Por tudo isso, Camus é considerado como sendo uma das mais elevadas consciências morais do século XX.

Graças ao apoio recebido de um professor na escola primária (um agradecimento a ele foi feito por Camus no seu discurso de recebimento do Nobel em Estocolmo), o talentoso garoto é encaminhado para cursar a escola secundária, o que o impede de trabalhar na profissão de tanoeiro (fabricante de tonéis e barris) que seus antepassados exerciam. Estuda Filosofia na Universidade de Argel, realizando em seguida o Mestrado e o Doutorado na mesma instituição. Logo após a defesa de tese ele é novamente acometido pela tuberculose, o que o impede de continuar a ser o ótimo goleiro que defendia a seleção universitária do país. Já como escritor de fama internacional ele visita o Brasil em 1949, para palestras e reuniões, tendo sido acompanhado por representantes da embaixada francesa e pelo escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Na ocasião ele fez a conhecida afirmação: “o que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol.”

Camus muda-se para a França em 1939, pouco antes da invasão alemã. A esposa e os filhos, que haviam permanecido em Argel, não mais conseguem viajar para a França. Antes, ainda na Argélia, ele já havia escrito dois livros: “O avesso e o direito” (L’Envers et l’Endroit, 1937) e “Bodas em Tipasa” (Noces a Tipasa, 1938). É desta última obra que foi retirada a lírica frase que consta do memorial a Camus, nas ruínas da praia de Tipasa, na Argélia: Je comprends ici ce qu’on appelle gloire: le droit d’aimer sans mesure (Entendo aqui o que se chama glória: o direito de amar desmedidamente).  Em 1942 conhece Jean-Paul Sartre (1905-80), o renomado filósofo que ganharia o Nobel de 1964, o qual havia elogiado enfaticamente o romance “O Estrangeiro” (L´Étranger, 1942). Este primeiro grande sucesso de Camus, sempre citado nas listas dos maiores livros do século XX, relata o episódio de um colono francês na Argélia que mata um homem árabe, sendo então condenado à morte. A obra foi filmada pelo celebrado diretor italiano Luchino Visconti (1906-1976), Lo Straniero, 1967, com Marcello Mastroianni (1924-96) no papel principal. A intensa amizade entre Camus e Sartre foi rompida dez anos depois devido a desavenças, aparentemente incontornáveis, em relação ao totalitarismo soviético, criticado por Camus e admirado por Sartre. Em 1947 surge um novo sucesso literário de Camus: “A Peste” (La Peste), apontada por muitos críticos como sendo sua obra-prima. O livro descreve a solidariedade dos trabalhadores durante um episódio de peste na cidade de Oran, a segunda maior da Argélia. Nessa obra são também explorados os aspectos da natureza do destino e da condição humana. A tradução para o português ficou em boas mãos, sendo feita pelo escritor Graciliano Ramos (1892-1953). Outro livro que explora a fundo as idiossincrasias do ser humano é “A Queda” (La Chute, 1956), no qual um advogado francês, bebendo em um bar de marinheiros em Amsterdam, faz um pungente exame de consciência em relação ao fato de ele ter presenciado o suicídio de uma mulher nas águas do Rio Sena e nada ter feito para impedi-lo. Assim é Camus, sempre dissecando a ferro e fogo as fraquezas e virtudes do homem.

Em 1957 ele recebe, com grande surpresa, a notícia da nomeação para o Nobel de Literatura. Depois de Rudyard Kipling, laureado em 1907 (v. Post 4) com apenas 42 anos, Camus é o segundo escritor mais jovem a conquistar o galardão (44 anos). Toda a crítica francesa apostava que o contemplado seria André Malraux (1901-76), fato este que nunca ocorreu. Em 1960 Camus morre em um acidente de carro quando se dirigia a Paris junto com seu editor, Michel Gallimard, que veio a falecer cinco dias depois. Camus já tinha no bolso os bilhetes para viajar de trem, ao lado de outros amigos, mas, na última hora, cedeu ao convite do editor para que o acompanhasse (claro que são as rodas do destino, mas é difícil não se impressionar com tamanha fatalidade). Camus sempre dizia que existem dois grandes absurdos na vida: a morte de uma criança e a morte por um acidente de automóvel. Na época surgiram especulações de que o acidente havia sido premeditado pela agência secreta soviética (KGB) em retaliação ao seu forte posicionamento anticomunista. No banco de trás do veículo estavam os manuscritos da sua autobiografia “O primeiro homem” (Le premier homme), que Camus dizia que “seria seu melhor trabalho”. A obra, inacabada, foi publicada por sua filha em 1994. De novo, para quem tem um pouco de pressa, recomendo o filme Albert Camus (2010), dirigido por Laurent Jaoui (1956-) e disponível nas plataformas de streaming. 

Línguas da França (III)

As línguas de oïl

A questão das línguas regionais na França é um assunto controverso, o qual vem sofrendo alterações ao longo dos anos. Uma lei francesa de 1951 reconhecia o status das línguas regionais, todavia excluindo o Alsaciano, o Flamengo e o Corso, que foram considerados como dialetos, respectivamente, do alemão, do holandês e do italiano. Em 1974 elas foram, contudo, aceitas como idiomas regionais, os quais são, normalmente, ensinados na escola primária e têm caráter optativo na escola secundária. Embora a Constituição do país reconheça as línguas regionais como parte integrante da herança da França, muitas delas não são divulgadas de forma adequada nas escolas e nos meios de comunicação. Atualmente existem 23 línguas regionais na França (incluindo os dialetos existentes em alguns grupos), faladas por dois milhões de pessoas, o que corresponde a menos de 3% da população do país. Se for feita a inclusão dos territórios ultramarinos no Caribe, Atlântico e Pacífico, esse número chega a mais de 50. Vimos nos dois Posts anteriores a língua occitana (Língua d’Oc), que se constitui, historicamente, na mais importante das línguas regionais.

O grupo linguístico das Línguas de Oïl abrange alguns idiomas falados na região Norte da França, como o valão, o picardo, o normando, o loreno e o borgonhês.

Valão: falado originalmente na região da Valônia (sul da Bélgica), este idioma é utilizado na França (parte nordeste) e, muito curiosamente, no nordeste do estado norte-americano de Wisconsin, se constituindo assim em um enclave linguístico devido a imigrantes belgas. Destaca-se que o valão é distinto do chamado francês belga. Embora seja um idioma bastante regionalizado, ele ainda consegue exibir quatro variantes dialetais (que mundo é esse?). No século XVI os nobres e burgueses passaram a preferir usar o idioma francês, relegando o valão à utilização das “pessoas vulgares”. No entanto, no século XIX ocorreu uma revalorização do idioma, principalmente devido à literatura e ao teatro, sofrendo nova queda no século XX. Atualmente avalia-se que cerca de 800.000 possam entender o valão, contudo apenas 200.000 o utilizam regularmente. Algumas palavras e expressões (quem conhece a língua francesa poderá observar a forte semelhança entre os dois idiomas, embora com o uso de grafias um pouco distintas): Mèrci (obrigado), S’i us plait (por favor), Dji n’comprind nén (eu não entendo), Èxcuze (perdão), Oyi/Non (sim/não), Arvèy (até logo), Dji t’veû vol’tî (eu te amo). Números de 1 a 10: on, deus, trois, cwate, cénk, shijh, set, ut, nouv e dijh. Os dias da semana: londi, mardi, mierkidi, djudi, vénrdi, semdi, dimenge.

Picardo: falado na região histórica da Picardia (principal cidade: Amiens, onde existe o túmulo do famoso escritor Júlio Verne, 1828-1905), em partes da Bélgica, na Valônia e na Normandia. Avalia-se um número de 700.000 falantes. O picardo, que não é ensinado nas escolas, é quase só utilizado nas conversas entre amigos e na família. Embora tenha sido uma língua literária no período medieval, atualmente não existe um padrão único para a escrita (aí fica realmente difícil seu reconhecimento oficial como língua regional). Alguns nomes e expressões: Marci (obrigado), Sins vos komander (por favor), Adè (até logo), Éj n’comprinds poin (não entendo), J’te ker (eu te amo). Números de 1 a 10: un, deus, troés, quate, chonc, sis, sèt, ût, nué, dich. Meses do ano: janvié, févrié, marche, avri, moai, join, juillet, aout, sétimbe, octobe, novimbe, déchimbe.     

(continua no próximo Post)

Figuras de linguagem

Polissemia: Multiplicidade de sentidos de uma palavra ou locução: prato (vasilha, comida, instrumento musical, parte de balança); pé de moleque (doce, tipo de calçamento).

Haplologia: supressão de uma ou duas sílabas contíguas, iguais ou semelhantes: tragicocomédia → tragicomédia; idololatria → idolatria.

Diástole: avanço no acento tônico: límite → limite; tênebra tenebra.

Sístole: recuo no acento tônico: erámus éramos; pantâno → pântano.

Frase para sobremesa: Dois bombons confeccionados por Camus: Vou lhe dizer um grande segredo, meu caro: não espere o Juízo Final, ele realiza-se todos os dias. Quando procuro o que há de fundamental em mim, é o gosto da felicidade que encontro.

Bom descanso!

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