Escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura.
1947: André Gide (1869-1951): O escritor francês André Paul Guillaume Gide, cujo pai era professor de Direito na Universidade de Paris, nasceu em uma família aristocrata. Gide foi cofundador da prestigiada Editora Gallimard e da muito conhecida Nouvelle Revue Française. Dos 16 aos 19 anos ele passou por um período de exaltação religiosa e de ascetismo, transformando-se em um jovem bastante introspectivo. Ele havia estudado em um rigoroso internato que ameaçava de castração os adolescentes que se masturbassem. Desde então as preocupações sexuais tomaram conta de corpo e mente do jovem poeta, direcionando, por fim, seu propósito de ostentar uma bandeira aberta em defesa dos homossexuais. Malgrado seu difícil posicionamento na rígida sociedade francesa, Gide desenvolveu uma intensa paixão por sua prima Madeleine. No início da fase adulta ele passou a frequentar os salões literários de Paris, já tendo decidido a se tornar escritor e tendo condições financeiras suficientes para sua manutenção na efervescente vida cultural parisiense. Nesse período começou uma forte amizade com o poeta Paul Valéry (1871-1945), a qual duraria por toda a vida. Tornou-se também bastante próximo do escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900). Reiteradas vezes Gide pediu a prima em casamento, recebendo uma fieira de recusas. Exímio pianista, ele se arrependeu por não ter levado a sério a carreira musical. No aprofundamento de seus estudos literários se entusiasmou com a grandiosidade de Goethe, que proclamava “é um dever ser feliz”. Nesta fase de descobertas viajou com um amigo pintor pelo Norte da África, experimentando aventuras amorosas com pessoas bem mais jovens que ele. A morte da mãe significou para Gide uma mistura de “dor e libertação”, este último representado pelo noivado e posterior casamento com Madeleine.
Gide passou a escrever romances e a colaborar com diversas revistas literárias, ficando cada vez mais conhecido nos círculos artísticos franceses. Escreveu uma de suas obras mais famosas, o livro Corydon, iniciado em 1910, finalizado em 1918 e só publicado em 1924 por receio de um recebimento injusto por parte de leitores que não entenderiam uma defesa tão veemente com relação aos preconceitos do homossexualismo. Voltou a viajar à África, publicando em seguida severas críticas ao colonialismo francês naquele continente.
Uma de suas amizades mais sólidas e duradouras foi com o autor francês Roger Martin du Gard (1881-1958), prêmio Nobel em 1937 (v. Post 24). Ambos se correspondiam com intensidade e possuíam opiniões semelhantes sobre o andar da vida. Em 1923, portanto com a idade de 54 anos Gide teve uma filha fora do casamento, a qual só foi reconhecida após a morte da esposa (1938), quando a garotinha já era quase uma adulta.
Em 1936 Gide foi convidado a participar do funeral de Maksim Gorky (1868-1936), um dos titãs da literatura russa. Teve a ocasião de se encontrar com Stalin, o que lhe provocou uma absoluta decepção com o totalitarismo. Pode-se dizer que foi como uma pessoa e voltou outra completamente diversa.
Torna-se difícil apontar qual seria a obra-prima de Gide, as opiniões são muito variáveis. De qualquer forma duas podem ser escolhidas sem risco de muito erro: “Os Frutos da Terra” (Les nourritures terrestres, 1897), publicada quando o autor tinha apenas 28 anos, que fez enorme sucesso entre a juventude por entoar um hino ao desejo sexual e provocar nos leitores um inebriante despertar dos sentidos. Curiosamente é o mesmo título, em português, de um dos melhores livros do norueguês Knut Hamsun, prêmio Nobel em 1920 (v. Post 10). Outra obra de destaque é o romance “Os Moedeiros Falsos” (Les faux-monnayeurs, 1925), onde, em meio a um enxame de personagens, é criado o estilo de um livro dentro do outro. Não custa lembrar que todas as obras de Gide foram incluídas pelo Vaticano (1952) na lista de livros proibidos pela igreja. Após o recebimento do Nobel ele parou de escrever, até o seu falecimento quatro anos depois de forma serena e pouco sofrida (na medida em que isto seja possível).
As línguas da Espanha (II)
A língua catalã (continuação)
Os primeiros registros do catalão como língua escrita datam do século XII. Na evolução da estrutura do idioma observa-se uma maior afinidade do catalão com o grupo galo-românico (francês p. ex.) do que com o ibero-românico (espanhol p.ex.). O alfabeto catalão possui a curiosíssima letra cedilha (ç), ao qual nós, brasileiros, os turcos, os franceses estão bem acostumados, mas que se oferece como um grande mistério para a maioria da população mundial. Também existe a diferenciação entre ser (ésser) e estar (estar). Para nós isso é muito fácil de ser estabelecido, mas como devem sofrer as pessoas de língua inglesa ou alemã, cujos idiomas não possuem esta charmosa configuração. Torna-se uma confusão geral quando aprendem idiomas com essa fascinante dualidade. Uma característica absolutamente única do catalão, inexistente em qualquer outro idioma conhecido, é o fato do verbo “ir” (anar) ser utilizado para compor o passado do verbo e não o futuro. Explico-me: em português, se dissermos “eu vou para a Europa”, isto indica com clareza uma condição futura. Em catalão, por exemplo, a frase Vaig parlar amb el’ahir significa, em tradução literal “eu vou falar com ele ontem” ou, mais adequadamente, “eu falei com ele ontem”. Ou seja, o passado no catalão tem sempre um gosto de futuro nas outras línguas.
Um pouco sobre a fonética: o dígrafo “ny” é pronunciado como se fosse o “nh” do português. Daí o nome Catalunya ser pronunciado exatamente como conhecemos: Catalunha. A letra “x” tem sempre o som de “ch”, por exemplo xocolata. O “v”, como também no espanhol, tem a pronúncia de “b”. É corrente o emprego da elisão (desaparecimento da vogal final átona, como em caixa d’água e Sant’Ana), assim el home se transforma em l’home. Sim, vocês estão pensando corretamente, é como no francês. Os pronomes adverbiais, que não existem no português ou no espanhol, aparecem com fartura nas línguas francesa e catalã. Como sei que muitos de vocês estudaram (ou pensaram em estudar) o idioma francês, devem conhecer os pronomes ‘y” (em catalão hi) e “en” (em catalão en). Alguns exemplos do francês: Je vais au Brésil (eu vou para o Brasil) = J’y vais (o y substitui Brésil). Já o pronome en só é usado para coisas: elle parle de son travail (ela fala do seu trabalho) = ele en parle (o en substitui travail). São as filigranas dos idiomas. Vamos aos dias da semana em catalão: Dilluns ,Dimarts, Dimecres, Dijous, Divendres, Dissabte, Diumenge. Para os numerais de um a dez: un, dos, tres, quatre, cinc, sis, set, vuit, nou, deu. A grande semelhança de algumas palavras entre catalão e francês pode ser constatada nos seguintes exemplos (a primeira palavra em catalão, a segunda em francês): sortida/sortie (saída), demandar/demander (perguntar), cercar/chercher (procurar), arribar/arriver (chegar), parlar/parler (falar), menjar/manger (comer), voler/vouloir (querer), mentó/menton (queixo), sovint/souvent (frequentemente) e as duas simpáticas expressões, que sempre devemos proferir sem restrições: si us plau/s´il vous plaÎt (por favor) e mercès/merci (obrigado).
Figuras de linguagem
Apócope: supressão de um ou mais fonemas no final de uma palavra: cine (por cinema), bel (por belo). Esta figura de linguagem é usada com muita frequência no idioma francês: “adô” por adolescent; “météo” por météorologie; “restô” por restaurant. O que será isso? Preguiça de falar, ganhar tempo (para fazer o quê?) ou algum outro motivo que o leitor possa imaginar. Naturalmente, algumas apócopes encontram justificativas racionais, como, p. ex, falarmos otorrino ao invés do termo completo, o qual é uma palavra “sesquipedal” (adjetivo para palavras muito extensas, do latim, “pé e meio de comprimento”).
Frase para sobremesa: Rodada dupla em homenagem a Gide: As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão; Se não notamos a presença da felicidade com mais frequência, é porque ela se apresenta com uma aparência diferente da que esperávamos.
Até a próxima!